Nem sempre os juízes estão de acordo relativamente ao que lhes compete, ou não, decidir. Aqui não funcionam as regras do mercado. Ganhando o mesmo por terem ou não terem os processos que deveriam ter ou não deveriam ter, ao contrário da lógica dos merceeiros no que tange aos clientes, são significativas as vezes em que enjeitam os processos que lhes põem na secretária, ordenando a sua remessa a outro magistrado, mais ou menos longínquo. Se o outro não está pelos ajustes e entende que a competência, que não a capacidade, pertence ao primeiro que a renegou, surge aquilo a que, em judicialês, costuma chamar-se um conflito negativo de competência. Ou seja, os processos ficam por ali, não andando nem desandando, à espera de que alguma alma caridosa proclame quem lhes deve dar andamento.
Na comarca de Guimarães, e é aqui que começa a história de hoje, os magistrados judiciais das varas mistas e dos juízos cíveis desacordaram sobre a competência para conhecerem dos processos de expropriação, não os aceitando, a todos, nas secretárias. Para os primeiros, a competência, que não o engenho, era dos segundos. Para os segundos, a competência, que não a sabedoria, era dos primeiros. E, assim, à falta de consenso, largas dezenas de processos de expropriação ficaram a pairar no limbo, não direi do esquecimento, mas da indiferença.
Manda a lei que é o Tribunal da Relação que tem de ser a alma caridosa que vai dizer o que é de quem, processo a processo, num caricato e inútil dispêndio de tempo e de esforço que não tem qualquer relevância para o cidadão que espera ums solução rápida e justa do seu caso. O Ministério Público requer, os advogados e os magistrados em contenda são notificados para dizerem os seus argumentos, é concedido mais um prazo ao dito Ministério para alegar razões, três (três!) desembargadores reunem para decidir, um deles elabora a decisão, os outros vêm assinar, mais uns ofícios para ali, mais uns processos administrativos para acolá, e fica-se a saber a quem compete o quê.
Só então os processos voltam do limbo e poisam nas secretárias. E recomeçam, com um atraso de muitos meses, o seu caminho, nas mãos de magistrados que devem continuar a pensar que os processos não deveriam ali estar.
Estes procedimentos vêm de longe. Há anos e anos que se faz assim. Desde os tempos em que o país era, apenas, uma paróquia. Em que um processo era uma festa. Hoje, estas questões, que são manifestamente de gestão, têm de obter respostas de um modo eficaz e definitivo. Aliás, apesar das decisões que o Tribunal da Relação possa ter tomado, elas não vinculam, quem quer que seja, para o futuro. Isto não é o exercício da soberania, é a soberania das disposições e das indisposições.
In Os Cordoeiros, 11 de Fevereiro de 2004
Renascido pelo A.M. aqui.
Nota: Os conflitos continuam mas houve alterações legislativas visando uma resolução mais pronta.