domingo, 6 de fevereiro de 2011

Adopção

A adopção, apesar de vir na lei, tem sido difícil. É o que dizem os candidatos a adoptantes e que eu posso confirmar por conhecimento de causa. Está aí uma lei nova para técnicos e magistrados antigos. Em idênticas situações, a experiência ensina-nos que entre a lei nova e os antigos procedimentos, estes, não raras vezes, esmagam aquela. Talvez seja uma questão de sobrevivência. Esperemos que essa derrota não venha a repetir-se.
Na jurisprudência também há casos felizes. Esta é a história de um caso feliz.
Numa comarca do Minho, num processo para adopção plena, verificou-se a existência dos seguintes elementos:
- o menor, com quase três anos de idade, desde os quinze dias que vivia com o adoptante;
- os pais do menor consentiram, previamente, na adopção;
- o organismo de apoio social elaborou um relatório sobre a situação do menor e do requerente;
- foram inquiridas sete testemunhas;
- desse acervo de material probatório, concluía-se que entre o menor e o adoptante havia um vínculo em tudo semelhante à da filiação natural.
Encurtando razões: aquela adopção era de todo o interesse para o menor e, declarando-a, o tribunal realizaria, naquele caso, a justiça.
O Ministério Público, face a todos estes elementos, subscreveu um parecer no sentido do que pareceria óbvio.
Mas nem sempre o óbvio é, obviamente, o resultado de uma sentença.
Com o fundamento em não ter havido anterior decisão no sentido da confiança judicial ou administrativa do menor ao requerente/adoptante, o magistrado judicial julgou improcedente o pedido e não decretou a requerida adopção.
O adoptante, persistente como deve ser quem quer empenhar-se na batalha de uma adopção, interpôs recurso e argumentou com a alma.
Agora foi a vez do Ministério Público exemplificar que o óbvio nem sempre é sinónimo de coerência.
Na resposta ao recurso, e em manifesta oposição ao teor do parecer que subscrevera, veio sustentar que o recurso não merecia provimento, aderindo ao conteúdo e sentido da sentença.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 17 de Dezembro de 2003, foi directo ao problema, sem se deixar atropelar por desrazões formais: ficou já patente que aquela prévia fase de confiança administrativa ou judicial nada vinha acrescentar de útil à verdade material em análise. E, assim, revogando a sentença recorrida decretou a adopção plena do menor pelo requerente.
É óbvio que no acórdão se diz muito mais mas nestas coisas de histórias o que interessa é o final. E esse aqui está: feliz, como vos tinha prometido.

Não seria justo se omitisse o relator da história: o Desembargador Gomes da Silva.

In Os Cordoeiros, 6 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo A.M. no Renascer!...

Nota de hoje: o diz e desdiz do Ministério Público é antigo e vai ao encontro da perplexidade suscitada no Legalices.