domingo, 20 de fevereiro de 2011

Advogados

Ao longo da minha vida profissional, nas diversas comarcas onde exerci funções, encontrei, trabalhei e relacionei-me com algumas dezenas de advogados. A todos devo um pouco do pouco que sei. Na base da cordialidade e do respeito, sempre entendi a sua função como essencial a uma boa administração da justiça. São eles, muitas vezes, o contraditório das certezas incertas, das convicções atávicas ou das presunções infundadas dos magistrados. Sem eles, a justiça seria o exercício do arbítrio.
Num tempo de tensões corporativas e propício às desconfianças e aos desmandos, é preciso reafirmar que a justiça, não sendo um reino de virtudes, também não é o apanágio de alguns. A advocacia sofre dos mesmos problemas das magistraturas: crescimento exponencial sem uma adequada preparação profissional e deontológica. Onde uns vêem os execessos dos advogados, outros, legitimamente, poderão ver os excessos dos magistrados. Ou melhoramos em conjunto, ou em conjunto degradamos as funções que nos cabem.
Trabalhando em tribunais com modestas bibliotecas, foi, muitas vezes, em bibliotecas de advogados que encontrei, por indicação destes, os livros que procurava. Talvez, um dia, tenha o engenho para lhes contar as histórias e dizer os nomes. Foram e são os advogados que, por esse país, dinamiza(ra)m estruturas de reflexão jurídica, preocupações que só muito recentemente os magistrados têm também vindo a assumir.
A actividade cívica dos advogados foi um contributo decisivo para muitas das inovações legislativas que se concretizaram depois do 25 de Abril. É preciso reconhecer-lhes a coragem e a determinação. Sem eles, Portugal teria sido um país ainda mais cinzento, fechado e policiado.
Dir-me-ão que estou a falar do passado. Mas sou dos que defende que o futuro não se constrói à revelia da memória. Como magistrado e como cidadão, reconheço na advocacia uma função e um saber essenciais à justiça. Haverá excessos? Sem dúvida que os haverá. Mas pior do que esses excessos, só os preconceitos que vão alastrando nos magistrados.

In Os Cordoeiros, 20 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo António Maria, no seu Renascer!...