sábado, 19 de março de 2011

Trancas na Porta

Os serviços secretos sempre exerceram um grande fascínio sobre as pessoas, incluindo os políticos. Nomeadamente naquelas e naqueles que nunca leram “O Nosso Agente em Havana”, de Graham Greene. O cinema ajudou à festa, e serão poucos os que alguma vez não sonharam estar de posse dos mistérios deste mundo. Com alguma leviandade, volta-se a falar dos serviços secretos, da inteligência anglo-saxónica, como se o seu desempenho no passado fosse garantia de eficácia e de bom senso no futuro. No que diz respeito ao presente, estamos, tragicamente, falados.
Os serviços secretos são, hoje, cada vez mais, a voz do dono. Tornaram-se máquinas pesadíssimas, mais preocupadas em sustentar a sua sobrevivência do que em prevenir a nossa segurança. Por isso mesmo, a sua vocação atávica é a de produzirem dados e perspectivas, ainda que delirantes, que sabem ir agradar a quem lhes paga: o governo. Aliás, é o que se passa com o comum dos mortais. A bruxa que se respeita é aquela que nos diz aquilo que queremos ouvir.
Desde a queda do muro de Berlim à invasão do Iraque, os serviços secretos ou chegaram tarde ou subsidiaram mentiras. Até no caso da Roménia, foram apanhados de surpresa.
Em Portugal, os serviços secretos são o que são: portugueses. E, como tal, secretamente dependentes da informação alheia. Eu gostava de conhecer os relatórios dos espiões que analisam a informação divulgada pela TVI ou que perspectivam a análise do comentador José Fernandes. Da realidade à ficção, a distância deve ser curta. Às vezes, mesmo inexistente.
A União Europeia anda preocupada com o desempenho dos serviços secretos dos seus membros. O nosso comissário em Bruxelas afadiga-se na procura de soluções. O Diário de Notícias de ontem, escrevia, em letras gordas, na primeira página, que a cultura de secretismo dificulta cooperação. Mas o que se espera de uns serviços secretos senão secretismo?
Não conheço nenhum espião nem frequentei o curso de defesa nacional. De tácticas, conheço as do treinador Mourinho, e, de estratégias, as do Professor Marcelo. A moral que quero tirar de tudo isto é a de que, tal como na actividade política, também em matéria de segredos, depois da casa roubada, trancas na porta. Ou seja, mais segredos ainda.

Este texto foi publicado em Os Cordoeiros, em 19 de Março de 2004

Foi recuperado no Renascer!... pelo António Maria

Ainda que datado, creio que mantém alguma atualidade