segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Amnistia

"O bispo de Setúbal recordou este domingo a bula de proclamação do Jubileu 2025, do Papa Francisco, para defender uma amnistia para os presos, como sinal de “esperança” e visando a reinserção na sociedade.
A amnistia em torno da JMJ Lisboa 2023 ao contrário do desejado, ficou infelizmente a marcar negativamente tantas irmãs e irmãos. Peço, exorto aos nossos ilustres parlamentares que possam refletir e equacionar uma amnistia no contexto deste Jubileu Universal e dos 50 anos da democracia”, declarou Américo Aguiar, numa intervenção enviada à Agência Ecclesia."


Acontecimento do ano

Foi um não facto: a não abertura, em sessão solene, do Ano Judicial. Adiada com um argumento pueril - não contaminar as eleições para a Assembleia da República -, tornou-se num adiamento definitivo. A verdade é que ninguém deu pela sua falta. De positivo, dir-se-á que se poupou na pompa e na circunstância.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Rua do Benformoso

A operação que a PSP levou a cabo no Martim Moniz teve, no mínimo, uma desproporção ét(n)ica e cinematográfica, e, a final, um happy end do primeiro-ministro.
Em conferência de imprensa, a PSP, politicamente desacompanhada, invocou a tutela do Ministério Público para a realização daquela operação. Perante as avisadas críticas que a mesma suscitou, o Ministério Público já deveria ter vindo dar as explicações das quais, obviamente, não se pode demitir.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

De "O valentão"

"É o caso do nosso primeiro-ministro, um dom-quixote de espada em riste contra (?) as perceções, que já anda de cara vermelha de tanto fazer músculo. Não vá alguém pensar que é para esconder algum complexo de inferioridade política, ou para compensar o que sabe ser de pouca substância. Fez voz grossa quando prometeu caçar impiedosamente os pirómanos na altura dos incêndios, franziu o sobrolho de xerife em horário nobre para galvanizar o combate contra a sensação de insegurança das pessoas que passam o dia a ver a CMTV e, agora, tem um Governo que está em estágio para porta-voz da PSP."

sábado, 21 de dezembro de 2024

Encostada à parede

"A verdade é que neste caso os fins não justificaram os meios. Meses a preparar uma operação que, no final, se traduziu na detenção de dois cidadãos portugueses, na apreensão de uma arma branca, um telemóvel furtado, sete bastões e 581 gramas de haxixe, entre outras miudezas. O problema não são as operações com resultados pífios. Porque essas são recorrentes. No Martim Moniz, a PSP não procurou fazer prevenção, quis só chamar a atenção, pervertendo o princípio do recato institucional (não confundir com moleza). A Polícia não pode deixar-se instrumentalizar por uma agenda política, seja ela governamental ou partidária, sob pena de acabar, ela própria, encostada à parede."

A outra face do populismo

O Presidente da República, por razões humanitárias, concedeu dois indultos. Não é credível que no universo carcerário, aliás vasto, só existam dois presos que, por aquelas razões, o merecessem. No entanto, se fossem invocadas razões de justiça que, com certeza, seriam razões que não desmereceriam a clemência presidencial, o número de presos a merecê-lo seria mais significativo. A misericórdia beata aliada ao oportunismo justiceiro, é no que dá.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Sismógrafo

"A corrupção converteu-se em sismógrafo dos perfis sociais da pós-modernidade: um teste às democracias liberais, um ponto nevrálgico de tensão e um modo de mesurar as políticas públicas. Por isso, não há governo que a não inclua nos seus programas e nas suas estratégias de prevenção e repressão, com uma prioridade que não têm a luta contra a pobreza ou o combate às desigualdades.
As demonstrações são principalmente visíveis nas políticas criminais, embora a experiência tenha mostrado que a banalização destas políticas – contrária à ideia do Direito criminal como ultima ratio – está a desconstruir os princípios e limites do Direito criminal."

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

A violência da prisão preventiva

"Dois anos e 23 dias depois de terem sido detidos, oito arguidos em prisão preventiva e quatro em domiciliária, todos de nacionalidade romena, foram libertados ontem pelo Tribunal de Beja, porque a procuradora do Ministério Público (MP) ... deixou cair as acusações pelos crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas e branqueamento de capitais."

In Jornal de Notícias, de 17 de dezembro, pag. 13

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Crise carcerária em França

Jamais les prisons françaises n'avaient enregistré un si grand nombre de détenus avec le chiffre record de 80.130 personnes incarcérées pour 62.357 places au 1er novembre, selon des chiffres obtenus vendredi auprès du ministère de la Justice.
Mal endémique français, la surpopulation carcérale ne cesse de battre des records mois après mois. Un avis du ministère daté du 25 juillet 2023 évoquait déjà la surpopulation carcérale avec un décompte, à l'époque, de 73 699 pour 60 562 places opérationnelles ce qui représentait déjà « une progression proche de 3 % en un an ».
Au 1er novembre dernier, la densité carcérale globale était de 128,5 %. Cette densité carcérale, qui dépasse 200 % dans plus d'une dizaine d'établissements (13 au total), contraint 3.962 détenus à dormir sur des matelas posés à même le sol.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sob o signo do anonimato

"Ministério Público concluiu não haver indícios de crime no processo da casa do primeiro-ministro. Denúncia tinha origem anónima e o inquérito tinha sido anunciado em dezembro, durante a pré-campanha."

(Lido no Observador)

"O Ministério Público vai investigar o protesto do Chega no Parlamento. Em causa está a colocação de tarjas nas janelas do Parlamento contra a reposição dos salários dos políticos.
A informação está a ser avançada pela SIC Notícias, que diz ainda que a Procuradoria-Geral da República abriu o inquérito após ter recebido uma queixa anónima contra André Ventura, acusado de violar o estatuto dos deputados e de vandalizar o Palácio de São Bento."

(Lido na RTP Notícias)

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Insólito

O Tribunal Judicial de Guimarães adiou a audiência de julgamento de um arguido, em prisão preventiva, a quem se imputa a prática de um crime de homicídio.
O adiamento, a requerimento da defesa, ficou a dever-se ao "facto de ainda não ter chegado o relatório da autópsia".
O eventual homicídio ocorreu em 7 de novembro de 2023.

Lido aqui e aqui.

domingo, 24 de novembro de 2024

Jurisprudência e populismo

As decisões judiciais valem também pela serenidade que nelas se adivinha; decisões zangadas são más decisões.
Não compete ao tribunal sindicar o modo como um arguido organiza a sua defesa. Parece-me inequívoco que esse direito cabe a este, ao arguido, por inteiro.
Uma decisão que se dá ao luxo de se perder na avaliação conclusiva dos procedimentos processuais a que o arguido recorre, indo ao limite de os considerar dilatórios, está para além da justiça. Servirá, isso sim, para abrir noticiários e cimentar uma eventual condenação mediática.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Inventar a perceção

"Portugal não tem níveis de insegurança que justifiquem a exibição de força e de autoridade a que temos assistido. O exagero e espalhafato das operações policiais relatadas nos meios de comunicação social são de tal forma alarmistas e exageradas que acabarão por ter o efeito contrário ao anunciado. O Governo está, aparentemente, e quero crer que involuntariamente, a inventar a perceção de insegurança que diz querer combater. Isto não pode ser simplesmente considerado ridículo, porque implica o enorme risco de alimentar as perceções de insegurança e de medo dos cidadãos."

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Ler a lei


Artigo 13º
Magistrados do Ministério Público

São magistrados do Ministério Público:
a) O Procurador-Geral da República;
b) O Vice-Procurador-Geral da República;
c) Os procuradores-gerais-adjuntos;
d) Os procuradores da República;
e) Os magistrados do Ministério Público na qualidade de procuradores europeus delegados;
f) Os magistrados do Ministério Público representante de Portugal na EUROJUST e respetivos adjunto e assistente.

Artigo 193º
Cessação de funções

1 - Os magistrados do Ministério Público cessam funções:
a) No dia em que completem 70 anos de idade;
b) No dia 1 do mês seguinte àquele em que for publicado o despacho do seu desligamento ao serviço;
c) Nos casos não abrangidos pelas alíneas anteriores, no dia seguinte ao da publicação da nova situação no Diário da República;
d) No dia seguinte àquele em que perfaçam 15 anos ininterruptos de licença sem remuneração de longa duração.
2 - Nos casos previstos nas alíneas a) a c) do número anterior, o magistrado que tenha iniciado qualquer julgamento prossegue, se anuir, os seus termos até final, salvo se a mudança de situação resultar de ação disciplinar.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Absolvição em duplicado

"O Tribunal de Viana do Castelo voltou hoje a absolver o ex-presidente da Câmara de Caminha Miguel Alves e a empresária barcelense Manuela Sousa do crime de prevaricação, após a correção de um “pormenor” na primeira decisão proferida em fevereiro."

aqui tínhamos destacado a primeira.

Notícia recolhida em O Minho e que merece ser lida.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Algoritmos e direitos

"Erroneous algorithmic results can dramatically affect the lives of migrants, refugees, and asylum seekers, exacerbating their vulnerabilities behind misplaced confidence in the efficiency and reliability of data-driven frontiers. The widespread use of technological solutions to assist border control may produce incorrect AI results that infringe on fundamental rights and freedoms, resulting in unfair treatment: that is, the right to life and liberty, the right to privacy, and principles of non-discrimination. In addition, the inherent opaqueness of AI algorithms may make identifying possible errors difficult, which prevents affected individuals from challenging biased administrative decisions."

FootnoteIn addition, the inherent opaqueness of AI algorithms may make identifying possible errors difficult, which prevents affected individuals from challenging biased administrative decisions.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Vidas em suspenso

 Do Diário de Notícias:

“O ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente Nuno Lacasta e o advogado João Tiago Silveira ainda não foram ouvidos no processo Operação Influencer, um ano após o caso ter sido tornado público.
Os três foram constituídos arguidos na sequência das diligências desencadeadas pelo Ministério Público (MP) no dia 7 de novembro de 2023, mas não estiveram entre as detenções então realizadas. Apesar disso, segundo diversas fontes ligadas ao processo adiantaram à Lusa, ainda não foram ouvidos pelos procuradores do caso, que foi entretanto dividido em três inquéritos. 
A defesa de João Galamba, sustentou fonte judicial, fez "pelo menos cinco pedidos" ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) para que o ex-ministro das Infraestruturas pudesse ser ouvido, mas sem resultados práticos, mantendo-se o cenário avançado em junho pelo Expresso. João Galamba foi indiciado pelo crime de recebimento indevido de vantagem, tendo estado vários anos a ser escutado pelas autoridades.
Já outra fonte ligada ao processo indicou que a defesa de Nuno Lacasta fez um pedido ao MP para que o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente pudesse prestar esclarecimentos, porém, tal intenção não teve acolhimento dos procuradores.
Quanto a João Tiago Silveira, o advogado da sociedade Morais Leitão e antigo porta-voz do PS não fez qualquer pedido formal para ser ouvido ao longo do último ano e permanece à espera de ser chamado para responder às questões do MP, adiantou outra fonte ligada ao caso.”

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Das opacidades

Do Advocatus:

363 dias depois de António Costa se ter demitido do cargo de primeiro-ministro por suspeitas no âmbito da Operação Influencer, pouco aconteceu na investigação. O ex-líder socialista foi ouvido – na qualidade de declarante – não foi constituído arguido, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) garante ao ECO que “o inquérito encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça”.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Depois de 11 meses de prisão preventiva

Do Jornal de Notícias (3 de novembro):

"Acusados de tráfico, Hugo e Wubeimer foram recentemente julgados e absolvidos. Apesar de transportarem um produto contendo um estupefaciente (Dimeltiltriptamina - DMT), o coletivo de juízes estabeleceu que, para serem condenados, deveria ter sido estabelecida a percentagem de DMT presente na ayahuasca. Só assim era possível determinar se havia ou não um efetivo crime de tráfico."

sábado, 26 de outubro de 2024

Onde pa(i)ram os emails

 Lido no ADVOCATUS:

"No dia 18 de abril, o juiz de instrução Nuno Dias Costa decidiu que a principal prova recolhida no caso do processo EDP/CMEC não é válida, já que a apreensão de emails tinha de ser feita com autorização de um juiz de instrução e não meramente por iniciativa do Ministério Público (MP), como aconteceu. Assim, ordenou a destruição de centenas de milhares de emails apreendidos na sede de EDP, em junho de 2017, relativos a comunicações entre António Mexia e João Manso Neto. Mas, até agora, essa prova ainda não foi destruída nem tão pouco se sabe do paradeiro da mesma.
Isto depois de – há um ano – o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ter decidido que essa prova recolhida no caso do processo EDP/CMEC não é válida para o processo, com o mesmo argumento que a apreensão de emails teria de ter sido feita com autorização de um juiz de instrução e não meramente por iniciativa do Ministério Público (MP), como aconteceu. Estas provas eram cruciais para sustentar uma eventual acusação pelo Ministério Público. E que, agora, não vão poder ser utilizados por Carlos Casimiro e Hugo Neto, os magistrados do MP titulares do processo.
O Ministério Público tinha sido notificado para localizar e informar onde estava a prova nula para ser destruída. Num despacho enviado pelo juiz de instrução Dias Costa, de 15 de outubro – e a que o ECO teve acesso –, o magistrado insistiu no sentido de saber onde estão os originais. O que significa que os referidos emails ainda não estão destruídos. Destruição essa ordenada por uma decisão transitada em julgado, já que o MP não recorreu. O magistrado vem assim exigir saber onde estão os originais."

Nota:
Esta notícia, para além do caricato que suscita, levanta uma questão ainda por resolver: no contexto digital, em que se traduz a destruição da prova, nomeadamente da obtida ilegalmente? O que serão os originais? A que nuvem se terá de aceder?

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Sem previsão nem prevenção

O Sistema de Segurança Interna falhou na previsão e na prevenção daquilo que ocorreu após a morte de Odair Moniz. Aquela morte, naquele local e naquelas circunstâncias, teria exigido uma correta avaliação da informação, se é que a havia, e uma ponderação, não apenas tática mas também social, na utilização dos meios. Permitir que um transporte público por ali circulasse sem cuidados adicionais não terá sido o mais sensato. Por outro lado, a comunicação policial foi desastrada, porque desamparada. O rosto da comunicação deveria ter sido o da responsável política: com a polícia ao lado, obviamente.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Absolvição de milhões

"O arguido estava acusado de se apoderar indevidamente de mais de dois milhões e 89 mil euros da instituição em salários desde 2000, quando assumiu a presidência da IPSS, após a morte da mãe.
Em tribunal, caiu a tese da acusação, de que o arguido engendrou um plano para se remunerar indevidamente, aproveitando o facto de os restantes membros da direção confiarem nas suas decisões e não dedicarem tempo integral às funções."

Jornal de Notícias, de 16 de outubro de 2024

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A dúvida

A Inquisição julgava os mortos. No século XXI, será possível julgar quem, não estando morto, já não consegue ser entre os vivos?

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Para quem defende mais presos e mais prisões

The Dutch prison population has fallen by more than 40% – and awareness of the harms of harsh sentencing could explain why.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

A verdade dos factos

"A verdade dos factos, conceito que nem os juristas usam sem que um sorriso lhes traia o pensamento oculto, é a camada mais desinteressante da existência, a coutada das pessoas sem imaginação. "

Bruno Vieira Amaral, As primeiras coisas

sábado, 5 de outubro de 2024

"... quem não deve também tem de temer"

Do artigo de Rui Rio, Sobre a reforma da Justiça, no Diário de Notícias:

"Logo à cabeça, podemos identificar a revoltante lentidão dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os fracos resultados do Ministério Público no combate aos crimes de colarinho branco, agravados pelos abusos que, com o beneplácito de muitos juízes de instrução, se vão cometendo com demasiada frequência. Desde a quebra do segredo de justiça, com o consequente julgamento dos cidadãos na praça pública, até às buscas de duvidosa necessidade, às habituais prescrições, às escutas telefónicas prolongadas ou aos terramotos políticos provocados ainda na fase de investigação, não escasseiam razões para sustentar a necessidade de uma profunda reforma neste pilar essencial do Estado de Direito Democrático.
E o mais grave é, em minha opinião, a perda do tal respeito natural que antes existia e que atravessou gerações. As referidas atitudes desrespeitosas, o corporativismo, a degradação do rigor e do saber, a promiscuidade com certa comunicação social, as sentenças demasiadas vezes incompreensíveis, e mesmo o comportamento social de alguns protagonistas do sistema, conseguiram arruinar o respeito de que legitimamente usufruíam. E destruíram, também, a velha máxima de que “quem não deve não teme”, porque se tem visto que, circunstâncias há, em que quem não deve também tem de temer."

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Falácia

No último semanário Expresso, para defender que o número de escutas telefónicas realizadas não seria excessivo, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sustentou que esse número não seria superior a pouco menos do que 2% do total de inquéritos. Creio que estaria a reportar-se a números de 2023.
Esta percentagem induz o leitor a engano dado que faz pressupor que em todos os inquéritos a utilização desse meio de obtenção de prova seria possível. E não o é.
A lei condiciona significativamente os casos em que as escutas telefónicas se podem realizar. Por isso mesmo, o valor dessa percentagem só terá significado com referência, não ao número total de inquéritos, mas apenas ao número de inquéritos passíveis dessa utilização.

domingo, 29 de setembro de 2024

Fraca memória

Já não se devem lembrar da guerra que fizeram ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro, pelo facto do seu vice-procurador-geral da República, Mário Dias Gomes, ir atingir a idade de 70 anos no exercício daquelas funções e nelas pretender continuar.
A guerra foi tão persistente que obrigou à cessação de funções deste e levou Pinto Monteiro a, contra a sua vontade, propor um novo vice-procurador-geral da República.

sábado, 28 de setembro de 2024

Nota política

Nas sucessivas nomeações de procuradores-gerais da República, o PSD mostrou-se, politicamente, mais eficaz do que o PS.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A ler

Les modes alternatifs de résolution des conflits sous l’empire de l’ordonnance criminelle : la loi et la doctrine




Resumo:
Au cours de l’été 1670, la commission en charge de la rédaction de l’ordonnance criminelle – qui sera promulguée quelques semaines plus tard – se réunit pour son ultime conférence. La séance du jour est notamment dédiée à l’examen de trois articles consacrés aux différents modes de résolution des litiges, amiables et judiciaires. Le projet initial se veut restrictif en interdisant les transactions au « grand criminel » tout en les autorisant en revanche dans les autres cas. Les parquets ont même l’interdiction de poursuivre dans cette dernière hypothèse, la voie amiable se voit ainsi renforcée au petit criminel. Les échanges entre les membres de la commission conduisent même ces derniers à élargir le champ des transactions et des cessions de droit en les autorisant pour tous crimes, y compris les « crimes capitaux ou auxquels il écherra peine afflictive » dans la mesure où les procureurs ont l’obligation de poursuivre dans cette hypothèse. Toutefois le nouvel article 19 du titre XXV de l’ordonnance ne précise pas ce qu’il entend par « crime capital » et ouvre ainsi la voie à un contentieux. La doctrine quant à elle se montre bien plus restrictive que le texte et en restreint le domaine d’application.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Um exemplo: à tragédia da vida junta-se o drama da justiça

"A Maria morreu, alegadamente por negligência médica, num Hospital público, ao dar à luz a segunda filha.
A bebé sobreviveu. O António ficou viúvo com as duas filhas.
Procurou que se fizesse justiça e deu entrada com uma ação no Tribunal Administrativo.
Passaram 14 anos e o processo ainda nem tem audiência prévia marcada.
Por este andar vão passar outros tantos anos até que conheça a sentença definitiva sobre o trágico acontecimento que lhe revirou a vida."

Do artigo de Mónica Quintela, O ´Manifesto 50´: da vida das pessoas, no Diário de Notícias

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O(a) novo(a) procuradora(a)-geral da República

Não irá resolver os problemas da justiça, mas, ainda que não sendo fácil, poderá contribuir.
A gestão do Ministério Público é partilhada pelo procurador-geral da República e pelo Conselho Superior do Ministério Público. Sendo o Conselho uma assembleia de membros com proveniências diversas e com diversas agendas, a convivência entre estas duas cabeças não é fácil, como a história o ilustra.
Naturalmente, como acontece em assembleias, a tendência será a de formação de maiorias, eventualmente de bloqueio, como também a história o ilustra.
Será óbvio concluir que a afirmação da autoridade do procurador-geral que agora se reclama não tem um contexto institucional que a este seja favorável.
Um procurador-geral de consenso será aquele que se venha a enquadrar com a maioria que se venha a formar, o que mais uma vez a história corrobora.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sobre as prisões

"As prisões portuguesas são instituições cruéis, assustadoras, anacrónicas, medievais, medonhas, arcaicas, degradantes, ineficazes, violentas, desumanas e dispendiosas. Esta é a constatação a que chego com os muitos anos de voluntariado prisional, confirmada pelos relatórios de várias instâncias nacionais e internacionais (Comité contra a Tortura do Conselho da Europa, Mecanismo Nacional de Prevenção da Provedoria de Justiça, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, etc…)."

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Escutas, para que vos quero

Saber em quantos inquéritos foram realizadas escutas telefónicas* é importante e, também não deixa de ser relevante, quantos os visados nessas escutas. Mas a informação torna-se pouco significativa se não se souber o que foi (des)feito com as ditas.
Quantos inquéritos em que havendo escutas foram arquivados? Em quanto inquéritos, havendo escutas, foi deduzida acusação? Destes últimos, quantas as condenações?
Para a aritmética das escutas, não poderá descartar-se a natureza dos factos a investigar nem a entidade que toma a inciativa.
O lado obscuro que envolve as escutas sempre foi uma preocupação que tive ao longo da minha vida profissional, ainda que reconheça que sem sucesso. A ausência de qualquer controlo hierárquico e a inexistência de qualquer protocolo de procedimentos numa área tão próxima da devassa há muito que deveria ter sido reconhecida e ultrapassada.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Prisões

Seis reclusos evadiram-se de uma prisão portuguesa que está envolvida por um muro de vários metros. Dois são portugueses e três estrangeiros. As autoridades sustentaram o pânico, o comentariado indignou-se, o governo espera por oportunidade para dizer de sua justiça, e a oposição quer passar despercebida.
Portugal já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por causa das condições indignas a que os presos são sujeitos. Sobre o assunto, autoridades, comentariado, governo, qual ele fosse, e oposição, qual ela fosse, mantiveram um prudente silêncio.
A moeda é a mesma, o que difere são as faces.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Direito e Justiça

Entrei numa livraria especializada em livros de direito e dei uma volta pelas estantes; há muito que o não fazia. Continuam a abundar na diversidade temática e na multiplicidade dos autores. Perante tanto direito, a crise da justiça terá também algo a ver com um direito em excesso? Ou será que na complexidade da vida a justiça precisa de outras artes e novos discursos?
A formação monocórdica e ensimesmada dos agentes da justiça está ultrapassada. Não cria proximidade, desresponsabiliza e é ilegível.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

O tempo da justiça

Em 2009, a um elemento de uma força militarizada, foi aplicada a sanção disciplinar de separação de serviço (afastamento definitivo). O visado questionou, na justiça administrativa, esta sanção.
Em dezembro de 2020, o respetivo tribunal administrativo, em primeira instância, confirmou a decisão disciplinar. Em abril de 2024, face a recurso interposto pelo sancionado, o Tribunal Central Administrativo do Sul julgou-o improcedente.

Notícia lida no JN de 25 de agosto de 2024

domingo, 25 de agosto de 2024

Tempo e espetáculo

Poucos setores da nossa vida coletiva são tão sensíveis à gestão do tempo como a aplicação da Justiça. É necessário tempo para avaliar com rigor e rapidez para decidir com respeito pelos efeitos dessa decisão.
Então como aceitar que processos se arrastem por anos e anos, quantas vezes ultrapassando uma década?Como aceitar que alguém que se divulgou como suspeito venha a ser constituído arguido vários anos depois?
E não, não me refiro apenas aos “megaprocessos” ou àqueles que envolvem pessoas com cargos políticos, o mesmo se passa com um número enorme de cidadãos que, pela gestão do tempo da Justiça, vivem anos de vidas suspensas.
Estes atropelos graves na aplicação da Justiça são ampliados pela introdução da dimensão espetáculo no funcionamento do Sistema Judicial.
Inaugurado pela entrada no Parlamento acompanhado pelas câmaras de televisão de um juiz para prender um deputado, o exercício da Justiça-espetáculo passou a fenómeno recorrente. Buscas televisionadas com comentadores em direto e longas horas de exposição mediática. Manchetes de jornais e televisões a partir de peças processuais em segredo de justiça, de tudo um pouco.
E que dizer da propensão de alguns responsáveis pela denominação “imaginativa” (não as refiro propositadamente) de processos de investigação, mais própria do marketing de Séries B de Hollywood ou então dos especialistas de comunicação de alguns dos nossos tabloides?

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Delação e convicção

"A sentença, baseada na delação de quem denuncia ou na convicção de quem acusa, precede a defesa ou a apresentação de qualquer prova. A condenação de inocentes é irrelevante. Importante é a promessa de um futuro que justifica o sacrifício de vidas, o apagamento da verdade, dos factos e, até, do passado."

Maria de Lurdes Rodrigues, O futuro contra o presente, no Jornal de Notícias

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Boa educação

"Todos sabemos, infelizmente, que a pontualidade não é um valor que se cultive entre nós. Mas também todos sabemos que a mais elementar regra de boa educação leva a que quem se atrasou peça, sem “mas” nem “ses”, desculpa pelo atraso. Se assim for, tudo se inicia com o tom e a substância da intersubjectividade que correm entre “decent people”.
Por isso, é inadmissível que os senhores juízes ou as senhoras juízas, com marcantes e saudáveis excepções, cheguem atrasadíssimos aos actos a que devem presidir, mormente audiência de discussão e julgamento, e não tentem sequer balbuciar um simples e educado pedido de desculpa."

Do artigo do Prof José de Faria Costa, A Justiça e as pequenas coisas, publicado no Público de hoje, com leitura obrigatória

sábado, 3 de agosto de 2024

“Seres superiores”

Não creio que estas coincidências sejam necessariamente o resultado de uma qualquer ação concertada do ponto de vista político-partidário, mas tenho para mim que se trata sobretudo de uma demonstração de poder por parte de certos sectores do Ministério Público, que se assumem como “seres superiores”, que decidiram desempenhar o papel de reguladores ético-sociais da nossa sociedade.”

Eduardo Marçal Grilo, Manifesto, no Diário de Notícias

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Insólito


"O Tribunal de São João Novo, no Porto, absolveu esta sexta-feira um pirata informático luso-russo, que havia sido denunciado pela polícia norte-americana (FBI) à Polícia Judiciária e estava acusado de administrar um site que vendia dados ilícitos, nomeadamente contas bancárias e credenciais de cartões de crédito.
Sergey Gusev, que estava em prisão preventiva na cadeia de Custóias e vai ser libertado imediatamente após ter assistido à leitura da sentença por videoconferência, respondia pelos crimes de associação criminosa, sabotagem informática, acesso ilegítimo, atos preparatórios de contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático e ainda branqueamento."

Nota: o arguido encontrava-se em prisão preventiva há um ano.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Arqueologia do Ministério Público (2)

Sendo o titular da ação penal, o Ministério Público deveria ter a capacidade de orientação e articulação da respetiva investigação criminal. Não haverá uma política criminal que possa ser levada a cabo sem essa capacidade. No início da década de 90 do século passado, havia já uma preocupação de quem dirigia o Ministério Público sobre tal matéria. O risco da "policialização" do sistema, com a subalternização do Ministério Público, esteve num debate público que entretanto se diluiu com o fim do mandato de Cunha Rodrigues como procurador-geral da República.
Consequência da dissolução funcional da hierarquia, o que era um risco tornou-se numa realidade. Ministério Público e polícias passaram a concorrer no mesmo palco mediático, num torneio de primeiras páginas ou de aberturas de noticiários.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Arqueologia do Ministério Público (1)

Há um certo exagero em responsabilizar a atual procuradora-geral da República por uma atuação do Ministério Público que tem merecido um alargado consenso crítico. Mais do que uma causa, a procuradora-geral da República é uma das consequências de um caldo de cultura institucional que se foi afirmando ao longo de décadas. Com a saída de Cunha Rodrigues, procurador-geral da República entre 1984 e 2000, a ideia de uma autonomia do Ministério Público como sendo a autonomia funcional de cada um dos magistrados, relegando a noção de hierarquia para aspetos de mera gestão administrativa, fez, progressivamente, o seu caminho. Quem tentou opor-se a essa caminhada, como foi o caso de Pinto Monteiro, procurador-geral da República entre 2006 e 2012, foi esmagado por uma aliança entre essa prática já instalada e uma comunicação social que dela tirava dividendos. Só por ironia se pode agora dizer que a situação se deve a uma inabilidade comunicacional da procuradora-geral da República. 

terça-feira, 9 de julho de 2024

Más condutas

"Police and prosecutorial misconduct is a leading contributing factor in a significant number of recorded exoneration cases since 1989.

Police misconduct has disproportionately contributed to the wrongful conviction of people of color, many of whom live in communities that are more heavily policed. In many cases, police officers have abused their authority and violated people’s constitutional rights by using coercive interrogation techniques, lying on the stand, failing to turn over exculpatory evidence, working with unreliable informants, displaying outright prejudice, and more. Due to a lack of transparency and accountability mechanisms, these types of misconduct often go unchecked. Currently, the majority states keep police disciplinary records confidential, making it difficult for the public to know when officers are repeatedly engaging in misconduct and if they are being held accountable for their actions. 
Prosecutorial misconduct occurs when a prosecutor seriously violates the law or a code of ethics while prosecuting a case. In a majority of cases where wrongfully convicted people have experienced this kind of misconduct, prosecutors have been accused of making improper arguments at trial, purposely withholding evidence of innocence or other favorable evidence (in what is known as a Brady violation), and more. Because these prosecutors often control access to evidence needed to investigate such claims of misconduct, it is difficult to measure the full scope of prosecutorial misconduct that has taken place in the U.S. Furthermore, the disciplinary systems in place that would hold these prosecutors accountable are gravely insufficient."



segunda-feira, 8 de julho de 2024

Outra absolvição autárquica


"O presidente da Câmara de Vieira do Minho, António Cardoso, foi esta segunda-feira absolvido no caso da contratação do jurista Cristiano Pinheiro, também ilibado. O vereador Afonso Barroso foi igualmente absolvido.
Na leitura da sentença, esta segunda-feira à tarde, a juíza considerou que ao contrário do que se afirmava na acusação do Ministério Público e no despacho de instrução para julgamento, não houve qualquer dolo da parte de nenhum dos três arguidos.
O presidente da autarquia e o vereador tinham sido acusados do crime de prevaricação pela contratação do jurista que, em 2019, era membro da Assembleia Municipal de Vieira do Minho. Cristiano Pinheiro foi contratado, por avença, para auxiliar a única jurista do município na condução de processos de contraordenação já em risco de prescrição."

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Escutas telefónicas

Cá em casa andamos a arrumar os papeis de duas vidas. No acaso da arrumação, encontrei a tese de Mestrado em Direito de Maria Goretti Vicente Pereira, sob a orientação do Prof Doutor Costa Andrade, intitulada ESCUTAS TELEFÓNICAS e a problemática dos conhecimentos fortuitos.* 
Permito-me transcrever daquela a primeira parte das Considerações Finais:

As escutas telefónicas, como deixámos explanado no trabalho objeto do nosso estudo, só poderão ser utilizadas como uma última ´ratio`. Os aplicadores do direito deverão ter em atenção, na hora de decidir da sua aplicação, o que no tocante a esta matéria nos reserva a nossa Lei Fundamental.
A escuta telefónica, enquanto meio de obtenção de prova altamente invasiva e redutora do direito à privacidade e segurança da «palavra falada» - da recolha, aquisição e conservação deste meio de prova, foi para o legislador o mecanismo garante da mínima compressão do constitucional direito à «não ingerência na conversa privada» (CRP, art. 34º, nº 4). A Lei Fundamental remete para a Lei ordinária a conformação do modo de tolerância e afastamento da abusividade ou desproporção da intervenção estadual nas conversações telefónicas da esfera privada. Não podemos esquecer que a nossa Constituição apenas dá a permissão à restrição dos direitos fundamentais quando os interesses da investigação e da busca da verdade material se sobrepõem àqueles direitos, respeitando, contudo, o princípio da proporcionalidade da adequação e da subsidiariedade.


*Universidade Portucalense, novembro de 2013

"vigiar... para punir"


terça-feira, 2 de julho de 2024

A solenidade do Ano Judicial

A abertura solene do Ano Judicial de 2024 continua por cumprir. Estando próximo o início do período de férias judicias. seria caricato que tal solenidade viesse a acontecer a partir de setembro, a poucos meses do fim do ano judicial. Se não vier a realizar-se, é pena. Teria sido a última oportunidade para ouvir a procuradora-geral da República fazer, eventualmente, um balanço do seu mandato e dar resposta aos seus críticos.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

O estranho caso da casa

A notícia do Público, na edição de hoje, teria merecido uma explicação oportuna do ministério da Justiça.
A casa de função destinada ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que é propriedade do Estado, encontra-se devoluta desde o verão de 2022. Nessa data, o então titular do cargo entendeu que a habitação não tinha condições para a função, obrigando o Estado a arrendar uma outra casa; um arrendamento que teve o custo de "perto de 60 mil euros".
A casa agora devoluta foi utilizada por outros magistrados sem que fossem conhecidas razões de queixa.
Do que se conclui da notícia, o Estado prepara-se para vender o andar devoluto. Será razoável que o ministério da Justiça, oportunamente, dê publicidade às mais-valias que venha a obter.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Uma saída airosa

Não sei se as declarações da ministra da Justiça - É preciso um novo PGR que ponha ordem na casa -  vieram a reboque da petição dos 50+50. Foram, no entanto, deselegantes para a procuradora-geral da República: o que foi dito em público deveria ter sido dito institucionalmente. Seja como for, em público ou em privado, justificariam um pedido óbvio de demissão da visada; o que seria uma saída airosa.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Nada de novo

Há muito que o abuso das escutas é um problema. Sucessivos governos, até com maiorias absolutas, deixaram à justiça o que não é da justiça.
Em 15 de novembro de 2010, com o título As escutas continuam o seu glorioso caminho, transcrevi um texto de José Leite Pereira, publicado no Jornal de Notícias.
Volto a transcrevê-lo para avivar memórias:
"- O "Correio da Manhã" dava ontem conta de uma escuta a Edite Estrela em que a deputada europeia dizia o que pensava de muitos dos seus parceiros de partido. Edite Estrela não está acusada de nenhum crime, mas foi escutada numa conversa com Armando Vara, no âmbito da Face Oculta. A utilização de uma escuta num jornal é um procedimento que deve estar rodeado de uma série de cuidados e fundado em princípios de rigorosa excepção, que nunca poderão abranger a vida ou as afirmações de um simples cidadão, desempenhe ele o cargo que desempenhar, casualmente apanhado numa escuta de um arguido. Este jornalismo de sarjeta que o CM vem praticando mancha a profissão. Não me querendo arvorar, nem ao jornal que dirijo, em exemplo, há que dizer que comportamentos destes constituem um crime e vão denegrindo a imagem da profissão, porque se tende a generalizar a crítica. Não há, não pode haver, contemplações com casos destes. Há com certeza um grande interesse de uma significativa parte do público por este desnudar constante da vida privada de quem desempenha cargos públicos. E isso poderá ser bom para a venda de jornais. Mas importa sublinhar que o interesse público é outra coisa."

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Citação

Do artigo da Prof Teresa Pizarro Beleza, Escutas, buscas, divulgações: os criminosos e o cidadão comum, hoje publicado no jornal Público:

"E se a vigilância judicial for facilitada, o prolongamento da sua duração claramente exagerado e, finalmente, os "conhecimentos fortuitos" ou mesmo o material "manifestamente estranho(s) ao processo" (é a expressão técnica para as conversas entre António Costa e o seu ministro João Galamba, agora vindas a público) sobre a vida e o agir de incautos terceiros ficarem à mercê das autoridades e, pouco ou muito depois, de toda a gente, na praça pública, por obra e graça dos media a quem alguém as contou, ofereceu ou vendeu? É legítimo que o interesse voyeurista ou de luta política sane a evidente ilegalidade da sua entrega e, depois, da sua divulgação? Que a comunicação social e as "redes" funcionem como sucedâneo dos velhos pelourinhos sem grande apelo nem agravo?"

domingo, 23 de junho de 2024

Para o rol das absolvições

Do Jornal de Notícias, de 23 de junho:

"Uma antiga tesoureira da Junta de Larinho, em Torre de Moncorvo, foi anteontem absolvida de dois crimes de prevaricação, três de peculato e um de falsificação de documentos, relativos ao mandato de 2009-13." 

sábado, 22 de junho de 2024

Nem atores nem inquisidores

A audição, ontem realizada, na Comissão Parlamentar sobre o chamado "caso das gémeas", foi deprimente. Fiquei chocado com uma democracia que se deixou levar e achincalhar pelo mais sórdido dos populismos. As deputadas e os deputados deveriam saber que, representando-nos, não são atores nem inquisidores. 
Não será menos lamentável que o comentariado tivesse surfado nessa onda.

Adenda para memória futura: tratou-se da audição da mãe das gémeas.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Mais do mesmo?

Não ouvi ou li o comentariado a fazer uma leitura que permitisse compreender o acréscimo que a Agenda Anticorrupção, aprovada em 20 de junho de 2024, trouxe à Estratégia Nacional de Combate à Corrupção // 2020/2024.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

"Ninguém guarda o guardador"

Do artigo de Maria de Lurdes Rodrigues, Na justiça ninguém guarda o guardador", no Jornal de Notícias:

Assistimos perplexos à divulgação mediática de escutas telefónicas, desta vez a membros do Governo anterior, sobre assuntos de governação. Amanhã, podem ser sobre assuntos da vida privada de políticos, conversas com pessoas amigas, zangas com a família, sei lá o que mais. Vou corrigir. Mais rigorosamente, foram divulgados “resumos interpretativos” de conversas telefónicas, isto é, colocadas no contexto narrativo de quem as transcreveu ou divulgou.
Com quatro anos de escutas telefónicas, envolvendo certamente centenas de pessoas, não faltará matéria para contar histórias e entreter audiências. Poderíamos rir se o assunto não fosse tão sério, tão perigoso e atentatório da vida democrática. É preciso afirmar, com voz clara, que a divulgação de tais escutas é uma violação grosseira de regras básicas do Estado de direito democrático.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

A ler

Do artigo de Pedro Tadeu, Eu acredito no Pai Natal?, no Diário de Notícias:

Justifica-se assim que, quando percebo que saíram do seio dessas investigações para a comunicação social escutas sem relevância criminal, mas que embaraçam politicamente o ex-primeiro-ministro António Costa, precisamente no mesmo dia em que as lideranças da União Europeia, num opíparo jantar informal discutem se o homem pode vir a ser, ou não, Presidente do Conselho Europeu (num jantar?... decidem isto num jantar? Porquê, meu Deus!?), exclame para mim mesmo, espantado: “que azar isto ter acontecido precisamente neste dia!”.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

"Justitia y política"

Do Editorial do El País hoje publicado e com o título em epígrafe:

El juez Juan Carlos Peinado irrumpió ayer en la campaña europea al comunicar que ha citado para el 5 de julio a Begoña Gómez, esposa del presidente del Gobierno, como imputada por tráfico de influencias y corrupción en los negocios. Los hechos que han llevado a este instructor a llamar a declarar a Gómez se exponen en una querella presentada por la organización ultraderechista Manos Limpias a través de una selección de noticias, algunas manifiestamente falsas y la mayoría sin indicios claros de los delitos denunciados. Pese a ello y a la jurisprudencia del Supremo, contraria a aceptar este tipo de denuncias, el juez admitió a trámite la querella y abrió diligencias de investigación contra Gómez. Ayer, además, anunció la citación, pese a que hay una regla no escrita que suelen cumplir muchos tribunales para no condicionar el voto de los ciudadanos: aplazar este tipo de decisiones para después de la cita con las urnas.
La acción del instructor citando a Gómez para dentro de un mes permitió ayer a la derecha y a la ultraderecha centrar su campaña en gravísimas acusaciones por hechos que nadie ha probado. Más bien al contrario: su encargo principal para aclarar los hechos dio resultado negativo. La Guardia Civil investigó contratos y a personas durante 21 días, tras los que elaboró un informe de 116 páginas y seis anexos donde no halló ni un solo indicio de los delitos denunciados por Manos Limpias. Ese informe destapa además la falsedad de algunos de los hechos incluidos en la querella. Ese trabajo, que el juez tiene en su poder desde el pasado 14 de mayo, no solo analizó los contratos bajo sospecha, sino también otros muchos adjudicados por el mismo departamento del Ministerio de Economía, sin encontrar rastro de irregularidad en las adjudicaciones a Carlos Barrabés. Este empresario aragonés logró, según el informe de la Guardia Civil, decenas de contratos de otras administraciones públicas, algunas gobernadas por el Partido Popular.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

A ler

Do artigo de Daniel Innerarity, Democracias sem tempo, publicado no Jornal de Notícias:

Só responderemos adequadamente às crises atuais e produziremos as transformações que procuramos se formos capazes de libertar a política dos seus dois principais defeitos: a excessiva personalização e a excessiva urgência temporal. Se queremos que as causas transformadoras produzam os efeitos desejados, elas têm de ser “despersonalizadas” e o seu peso tem de ser largamente transferido para as instituições e os processos. Além disso, as transformações sociais só são possíveis se a pressa for moderada e a duração das intervenções for assegurada. Há processos que não podem ser acelerados sem estragar a sua natureza, discussões ou transformações que precisam de tempo, insistência, continuidade, negociação e paciência. O verdadeiro desafio para aqueles que defendem uma causa transformadora não é apenas ganhar apoio social num momento de particular agitação, mas mantê-lo ao longo do tempo. É esse o tempo que devemos dar hoje à democracia.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Eticamente censurável

Leio que cidadãos alvos de buscas há uns meses, foram agora constituídos arguidos. Essa constituição teria "como objetivo interromper os prazos de prescrição do processo, para que as autoridades possam prosseguir com a investigação".
Pelo menos um dos advogados disse a uma agência noticiosa que o seu constituinte, ainda que constituído arguido, não foi interrogado ou prestou declarações. Ou seja, não foi confrontado com os factos e a prova que lhe acarretou aquela situação processual.
Duvido que a lei consinta este tipo de procedimento, mas mesmo que o consentisse não deixaria de o considerar eticamente censurável. Também com os arguidos, a lealdade processual é um valor que não deve ser desmerecido.
Acrescentar-se-á que, para além de interromper a prescrição, serviu também para os arguidos, mais uma vez, serem lançados na voragem mediática.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

A ler

Do artigo de Pedro Tadeu, Os tribunais estão mesmo loucos?, hoje publicado no Diário de Notícias:

E aqui está o ponto onde queria chegar: como é possível tantos doutos e respeitáveis togados acharem razoável, ou, melhor, acharem “proporcional, adequada e necessária” uma suspensão de 15 dias e a apreensão de metade de um salário por causa da porcaria de um saco de plástico de dois cêntimos?
Como é evidente, não há aqui uma questão técnico-jurídica que impelisse, sem apelo nem agravo, uma decisão favorável à impudência do Continente, pois quer o Tribunal da Relação quer o Supremo Tribunal encontraram os fundamentos jurídicos para dar razão ao trabalhador.
Como também é evidente, as posições que estes juízes e procuradores da República tomaram basearam-se sobretudo na convicção que formaram sobre a credibilidade dos testemunhos que ouviram, dos factos que apuraram e do discernimento ideológico com que traduzem o mundo nas suas inteligências.
Há, parece-me, uma geração de magistrados que, à partida, está mentalmente disponível para acreditar mais num administrador ou num diretor de Recursos Humanos de uma grande empresa do que num trabalhador que ganha pouco mais do que o salário mínimo.
Há uma geração de magistrados que acha “proporcional, adequado e necessário” o livre arbítrio com que as grandes empresas andam a tratar os trabalhadores “menores”. Dá ideia que, desde que não os espanquem, quase tudo é aceitável para meter essa “escumalha na ordem”.
Há uma geração de magistrados que, claramente, foi educada num preconceito de classe, no fiel respeitinho pelo grande “empreendedor” (para os pequenos empresários a coisa fia mais fino) e na preconceituosa desconfiança para com o “colaborador”.
Quando essa geração de magistrados for maioritária nos Tribunais da Relação e no Supremo, trabalhadores que tentem levar do Continente, sem pagar, um saco de plástico de dois cêntimos só podem esperar um veredicto: “Olho na rua! A bem da Nação.”