O que os magistrados ainda não compreenderam é que a realidade é mais rápida do que a sua capacidade de adaptação. Se assim é, torna-se urgente que definam estratégias que lhes permitam não serem atirados para o canto da história. Estratégias que têm a ver com a inteligibilidade e a credibilidade do exercício das suas funções. Fazer uma justiça de proximidade é respeitar a inteligência dos cidadãos.
É evidente que a justiça não é administrada para agradar urbi et orbi. Não é uma benção nem oferece a redenção. Mas tem, nos limites dos seus propósitos, uma função cicatrizante: a de ordenar a desordem, ou, pelo menos, a de tornar verosímil a dúvida. A justiça não garante a verdade mas tem de garantir o direito. Poderia aqui aplicar-se o adágio antes direito que me leve do que verdade que me derrube.
Corro o risco de, sendo críptico, pensarem que não quero dizer coisa nenhuma. Que é o que se passa com muitas das decisões judiciais. Adiam as soluções ignorando que, ao adiá-las, adiam o tempo. E adiar o tempo é ajudar a matar a vida.
Os tribunais lidam com a vida. Essa coisa mesquinha, sórdida e, muitas vezes, impublicável. Ou deveriam lidar. Não é raro que, ao folhear-se um processo, o que se encontre sejam palavras. E palavras. E palavras. Escrever menos e dizer mais não justificará a sobrevivência. Mas, com certeza, democratizará a justiça.
In Os Cordoeiros, 28 de Janeiro de 2004
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