A minha avó sempre dizia que os segredos são feios. Para ela, esconder era tão grave como mentir. Sabia que aos segredos estão associadas conveniências, muitas vezes conveniências não recomendáveis.
A justiça começou por ser um exercício de magias e segredos. Ao longo da história, foram desaparecendo as magias e reduzindo os segredos.
Em nome da eficácia da investigação, que é uma eficácia policial, justificou-se o segredo de justiça. Depois, em nome de um putativo bom nome de quem é investigado, reforçou-se o sustento teórico desse segredo.
O segredo de justiça tornou-se o pão nosso de cada dia. Permite que nos escandalizemos sem convicção ou que opinemos sem compromisso. Num certo sentido, tudo é violação do dito, até aquelas conferências de imprensa em que a Polícia Judiciária, eufórica, anuncia a apreensão de um quilo e meio de cocaína, ou aquelas declarações de alguns advogados, inflamados, à porta do DIAP, dando conta das diligências.
Toda esta conversa à volta do segredo de justiça e do direito à informação parece-me bizantina. Por mais brilhantes que sejam os intervenientes e por mais delirantes que sejam as ab-rogações. Mais preocupante do que a violação do segredo de justiça é a prática de uma justiça em segredo. Este é que é o segredo que envenena a justiça e tem custos sociais irreparáveis.
Uma justiça que se pratica sem critérios e com uma lógica que se desconhece, além de não criar confiança ao cidadão, permite a afirmação dos poderes de facto. Dos tais poderes que, insidiosamente, desgastam a economia e o equilíbrio social.
In Os Cordoeiros, 22 de Janeiro de 2004
Recuperado pelo António Maria, Cordoeiro-Mor, em Renascer!...