quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Formação, outra preocupação antiga

No combóio de sexta-feira que sai de Lisboa às 19 horas com destino ao Porto, um grupo de jovens do sexo feminino não dá sossego aos restantes passageiros, não lhes permitindo que durmam, que é o melhor que se faz numa viagem de combóio, ou que, descansadamente, leiam um livro.
Falam alto e despreocupadamente.
Têm o ar espantado dos executivos em início de carreira.
Tal é o tom e a postura que ninguém tem possibilidade de se alhear daquilo que dizem.
Os outros que ali viajam olham-se cúmplices, entre a indignação e a curiosidade, mas sem ousarem mandar calar as tagarelas.
As jovens, é o que se deduz do que dizem, frequentam o Centro de Estudos Judiciários e serão, muito em breve, magistradas.
Sem rebuço falam dos professores, dizem-lhes os nomes (a Joana, o Guerra, o Lobato), tecem comentários desagradados sobre o Direito Penal 2, gesticulam contra as exigências de uma correcta ortografia nas provas escritas.
Tudo isto à mistura com expressões que se espera que não venham um dia a utilizar nos tribunais: tu vistes a pergunta que ele te fez, foi naquele dia em que tu chegastes tarde, a gente vamos de ter de responder bem.
Há uns anos, participei, no Centro de Estudos Judiciários, num debate sobre deontologia e ética profissional.
Um docente, magistrado, defendia, com aquela displicência dos ungidos, que os magistrados não precisavam de formação nessa área pois apenas deviam obediência aos códigos e que, no cumprimento destes, encontrariam a sua deontologia e a sua ética.
Pode ser que seja assim, ainda que eu não acredite que o conhecimento estrito dos códigos faça de alguém um magistrado.
Mas no que diz respeito às normas de comportamento numa viagem de combóio, estas nunca decorrerão dos códigos que se ensinam no Centro de Estudos Judiciários.
Fala-se, com insistência, na necessidade de reformular a formação inicial dos magistrados.
Talvez devido ao sono que não dormi na pretérita sexta-feira, deixo aqui a minha modesta contribuição para uma nova estrutura curricular:
- conjugação dos verbos: 10 horas;
- normas de comportamento em viagens de grupo, nelas se incluindo as de combóio, autocarro, eléctrico ou metro: 12 horas.
Seriam matérias que teriam também interesse na área da formação permanente.

IN Os Cordoeiros, 19 de Janeiro de 2004

Trazido à luz pelo Cordoeiro-Mor António Maria no Renascer