segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Preocupações antigas

A intercepção das comunicações telefónicas é um meio de prova simultaneamente eficaz e inquietante.
Parece-me que, salvo algumas excepções, há um consenso alargado sobre a sua necessidade na investigação criminal.
Mas haverá também um consenso alargado sobre a necessidade de ser utilizado com uma adequada proporcionalidade e um eficaz controlo judicial.
Ao longo dos anos, as entidades judiciais, nomedamente o Ministério Público, nunca se preocuparam em fazer um levantamento estatístico que permitisse uma avaliação do modo como este meio de prova estava a ser utilizado.
Em quantos inquéritos foram autorizadas as escutas?
Relativamante a que tipo de crimes?
Autorizadas com que fundamentos de facto?
Em quantos inquéritos os elementos recolhidos pelas escutas foram considerados irrelevantes?
Em quantos inquéritos foram proferidos despachos de arquivamento?
E em quantos foram deduzidas acusações em que as escutas realizadas foram indicadas como meio de prova?
Sem estarem disponíveis estes elementos, tudo o que se diga sobre escutas são meros palpites ou considerações que não podem ser generalizadas.
Há uns tempos, um amigo e colega contou-me esta história:
Numa comarca do Norte, um órgão de polícia criminal solicitou ao Ministério Público que providenciasse no sentido de ser obtida autorização para a intercepção das conversas realizadas através de um certo telefone.
Concordando com a solicitação, o Ministério Público requereu ao magistrado judicial essa autorização.
Foi indeferida.
O magistrado do Ministério Público, atrapalhado na sua inexperiência, deu conta do sucedido ao respectivo agente.
Talvez condoído com a atrapalhação do magistrado, respondeu-lhe aquele: Não se preocupe Doutor, resolveremos isto doutro modo.
E resolveram. Numa outra comarca, a algumas dezenas de quilómetros, a autorização foi obtida.
É óbvio que isto é apenas uma história e nunca aconteceu. O meu amigo, que gosta de fábulas, apenas a engendrou para ilustrar aquilo que considera a manifesta falta de rigor nos procedimentos legais relativos às escutas telefónicas.

De Os Cordoeiros, 17 de Janeiro de 2004

Recuperado pelo Cordoeiro-Mor António Maria, no Renascer