Um dia, acordamos cansados: é o momento da despedida.
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Direito penal
O direito penal, que deveria ser residual, tornou-se socialmente avassalador. Tratado como se fosse o eixo da solução do mal, espera-se dele respostas que, como é óbvio, não pode dar. A sua função é simples: punir quem pratica crimes com penas que permitam a integração comunitária do criminoso. Naturalmente, uma função tão singela nada tem de mediática. É preciso encontrar uma outra, melodramática e demagógica, que faça o apelo aos mais sórdidos desejos de vingança. Não deve ser fácil ter de julgar neste contexto em que o direito penal se tornou no rosto de uma nevrose coletiva.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Brincar às encomendas
O correio distingue-se da encomenda, o que se explica aqui. Aquele é um serviço de envio de correspondência, até um limite de dois quilos; esta é um transporte de mercadorias, com ou sem valor comercial, até um limite de vinte quilos. Pelo correio vai um livro, por encomenda irá um presunto. Presumindo que o regulamento prisional usa o termo encomenda no seu sentido adequado, o que se quis foi limitar o número das encomendas e o seu peso, não fosse alguém lembrar-se de enviar numa só encomenda três presuntos. Os livros que António Arnaut e Irene Pimentel enviaram para o Estabelecimento Prisional de Évora, é legítimo admiti-lo, não foram encomendas mas correios. Ainda há pouco, no Porto, fez-se uma coleta alargada de livros a fim de serem entregues nos estabelecimentos prisionais. Independentemente da legalidade da devolução dos livros, o bom senso teria aconselhado a que se perguntasse ao seu destinatário se, não os podendo receber, não se importaria de os doar à biblioteca do Estabelecimento Prisional. Teria sido uma bela história de Natal.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
Natal
Nasceu.
Foi numa cama de folhelho
entre lençóis de estopa suja
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar na borda dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroa de baionetas
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.
Álvaro Feijó, 1916-1941
Foi numa cama de folhelho
entre lençóis de estopa suja
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar na borda dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroa de baionetas
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.
Álvaro Feijó, 1916-1941
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Prisão preventiva, Ato II
O texto de Irene Pimentel sobre a prisão preventiva e a medida de segurança antes de 1974, que pode ser lido no Jugular, deveria ser estudado na escola que nas últimas décadas tem reproduzido juízes e procuradores - o Centro de Estudos Judiciários. Quando se ouve, entre a convicção e a boçalidade, que o tempo de prisão preventiva já ninguém lho tira, apercebemo-nos que os resquícios do fascismo continuam no argumentário judiciário. Não havendo uma razão direta e imediata entre a evolução do direito e o imobilismo da justiça, esta foi sempre presa fácil das razões e das práticas populistas.
A clemência presidencial
A clemência de Tito foi a última ópera de Mozart. Revi-a, há uns tempos, no canal Mezzo. No fim da vida, a mensagem de Mozart é a de que a misericórdia dignifica o poder; de que perdoar não é ceder.
O Presidente da República, nesta época natalícia, concedeu três indultos, todos eles relativos à pena acessória de expulsão do país. Os pedidos teriam sido largas centenas.
Justifica-se que transcreva o que aqui escrevi em 22 de dezembro de 2008:
É mau que seja assim. A concessão de indultos poderia ser um significativo instrumento na realização da justiça, nomeadamente na dinamização da reinserção social. Torná-la uma caricatura é trair expectativas legais e humanas.
sábado, 20 de dezembro de 2014
Leituras
Desejo desde já informar os meus leitores que neste lugar a palavra Barredo significa a cintura de casebres que se estende à beira rio desde os arcos de Miragaia ao Monte do Seminário. É o esgoto da cidade.
Eu tinha ido na companhia de um rapaz do Lar do Porto, de folga naquele dia. Batemos de mansinho e entrámos numa porta que diz para a rua; é uma loja. O rapaz tapou o nariz e daí a um minuto já não estava ao pé de mim: «Não posso mais». E saiu imediatamente para a rua. Por este pequenino e terrível episódio pode cada um julgar da nossa desumanidade!
Eu deixei-me ficar. Ando afeito. Estou salgado. Tenho visto muito pior. Por isso mesmo tudo quanto se diz de civilização e progresso, aborrece e faz-me virar a cara.
Ela estava deitada numa enxerga. Quer-se levantar, mas não pode. É a tosse... Duma alcova interior surge o marido. É trabalhador do rio; nem sempre trabalha; a água tem marés. Três filhos daquele casal andam por lá. Não admira. O rapaz que veio comigo não pode estar um minuto dentro daquela casa. Nós somos tão desumanos! Somos tão cruéis! Nós não amamos o nosso semelhante e dizemos que sim à boca cheia!
A volta prossegue. O dia era para a romaria. Mias um casebre; era uma «ilha». O mesmo clima. As mesmas vistas. Igual vida. Em uma casa estava deitado na cama um rapaz de dezassete. Daí a nada entra a mãe e informa que os outros filhos tinham ido à Carvalhosa e este, por não ter forças, ficou deitado na cama. Em outros sítios tinha ouvido dizer Cedofeita. Agora oiço Carvalhosa e venho a saber que se trata da mesma coisa: é um Dispensário aonde multidões vão ao engano. Eles estão de pé para que se não diga que nós não fazemos caso dos doentes pulmonares, mas toda a gente sabe que não havendo casa nem pão, os remédios perdem a força de curar; e os que vão ao Dispensário não têm casa nem pão. Nós todos sabemos isto, para maior culpa, para maior castigo.
Padre Américo, O Barredo - Lugar de Mártires, de Heróis, de Santos (pags, 47/48)
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
A pergunta fatal
Ninguém se lembraria de perguntar ao indigitado diretor do SEF se pertenceria à maçonaria. No contexto da história recente dos serviços de informação, pareceria óbvio que o indigitado diretor do SIS iria ser confrontado com essa pergunta. Sabendo-o, a resposta evasiva só pode ser mais uma acha para a fogueira das intrigas. Ou sim, ou não, seria uma forma nova de trazer dignidade à questão.
Falsas confissões
Num texto que pode ser consultado aqui, o Professor Steve Drizin elenca um conjunto de falsas confissões respeitantes a 2014. É um tema ausente da reflexão da justiça em Portugal.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
Menos execuções nos EUA
Em 2014, foram executados 35 condenados à morte, o número mais baixo desde 1994.
Por outro lado, 7 condenados, um dos quais há 30 anos, viram as respetivas condenações dadas sem efeito.
Os dados constam deste relatório de leitura obrigatória.
Quando a intimidação jornalística pode ser confundida com a intimidação policial
Antes de 1974, na terra onde vivia, reputados republicanos comemoravam o 5 de outubro reunindo-se num jantar. O restaurante onde o realizavam era publicamente conhecido e o governo civil dava, pelo menos em alguns períodos, a respetiva autorização. Apesar da legalidade do ato comemorativo, dois ou três polícias, à paisana, colocavam-se ostensivamente nas imediações do restaurante. A função era intimidatória, dissuasora, não tendo qualquer relevância no sentido estritamente policial.
O controlo mediático que tem sido feito em redor do Estabelecimento Prisional de Évora traduz, mais que não seja objetivamente, o mesmo significado; é intimidatório e dissuasor. A notoriedade do preso e a sua relevância jornalística não podem cercear a liberdade e o direito de quem quer que o queira visitar sem ter de ser confrontado com uma câmara ou com um microfone.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
A confissão
George Stinney Jr., um negro de 14 anos, foi executado numa cadeira elétrica por ter assassinado duas jovens brancas; tudo ocorreu há 70 anos.
A Juíza Carmen Mullins, estes anos passados, permitiu a reabertura do caso após a ação persistente dos defensores dos direitos civis.
O que está em causa é uma confissão que teria sido obtida coercivamente.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
Culpas e desculpas
Li aqui que um magistrado do Ministério Público responsabilizou “a defesa” (dos arguidos) por grande parte dessas fugas e violações do segredo de Justiça.
Não creio que a atividade do Ministério Público se dignifique com declarações deste teor, entrando num caminho de justificações a que falta razão de ciência e equilíbrio ético.
A Professora Estrela Serrano é uma estudiosa das relações entre a comunicação social e a justiça e, por isso mesmo, não terá sido por ingenuidade que chamou à colação, no seu texto, esta declaração.
A culpa retórica dos outros é sempre a desculpa atávica dos nossos.
domingo, 14 de dezembro de 2014
Justo e equitativo
Foi o que escrevi em 30 de abril de 2010 -
Um julgamento justo e equitativo pressupõe a possibilidade de uma avaliação distanciada da prova, de uma avaliação que não esteja inquinada por condenações antecipadas. O que se está a verificar são os julgamentos sumários, não só pela violação do segredo de justiça, mas sobretudo pela assunção institucional dos factos e da prova sem que se tenha verificado qualquer contraditório. É a policialização do sistema, no seu melhor, perante o silêncio de juízes e procuradores. Não há razões de prevenção criminal que justifiquem tais dislates.
sábado, 13 de dezembro de 2014
Prisão preventiva
Nada há de mais violento do que a prisão preventiva; é uma privação da liberdade quando ainda se goza do direito inalienável à presunção de inocência.
É, por isso, que fico estupefacto quando ouço responsáveis pela sua aplicação falaram do assunto com uma leveza que roça a irresponsabilidade.
É fundamental saber o que tem sido essa medida de coação, mas parece que ninguém conhece os dados.
Nos últimos anos, por ano, quantos foram os presos preventivos e a sua percentagem no âmbito de todos os presos?
Quantos foram condenados em pena de prisão que tiveram de cumprir?
Quantos foram condenados em pena de multa?
Quantos foram absolvidos?
Quantos viram cessada a prisão preventiva antes de serem julgados?
A que tipos de crime se reportou a prisão preventiva e em que tipos de crime se reportou a absolvição?
Nesta matéria, e faltando os elementos de reflexão, o achismo corporativo judiciário é uma das doenças infantis da justiça.
As minorias saem mais baratas
La presencia de reclusos pertenecientes a minorías en las cárceles de Estados Unidos es notablemente desproporcionada comparado con el porcentaje de la población total que ellos representan. Las personas de raza negra y los hispanos representan el 60 por ciento de los reclusos de Estados Unidos. Además, en las prisiones privadas, esta cifra puede ascender al 90 por ciento.
A cor da justiça
Na sondagem que o Expresso hoje publica, os juízes valem -6,4% e o Ministério Público vale -9,1%; em relação à anterior sondagem, o vermelho da descida continua.
No mesmo jornal, uma magistrada assina, sob pseudónimo, um interessante artigo em que analisa uma presunção de culpa acicatada pelos jornais em relação a José Sócrates.
Tão importante como o tema do artigo, é a interrogação sobre a necessidade de utilizar um pseudónimo.
Será que o medo também é a cor da justiça?
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Esse organismo
Pela sua argúcia e ironia subtil, e manifesta atualidade, transcreve-se o Parecer nº E-10/2004 da Ordem dos Advogados sobre questão que lhe foi suscitada pelo Conselho Superior da Magistratura:
O CSM solicita à Ordem dos Advogados “uma tomada de posição oficial relativamente à possibilidade de um advogado, inscrito nesse organismo, poder criticar sentenças judiciais, nos meios de comunicação social, com falta de rigor, deturpação da realidade processual e omissão de factos essenciais à exacta e correcta compreensão das mesmas “.
Começamos por notar que o CSM se dirige à Ordem dos Advogados tratando-a pela designação indiferenciada de “esse organismo”. Ora, a Ordem dos Advogados é uma corporação profissional, sem nenhuma qualificação legal, é certo, mas com a natureza jurídica de associação pública profissional, constituída ao abrigo do art. 267.º/3 da Constituição.
Por seu turno, o CSM é um órgão do Estado que assegura a defesa da independência externa dos magistrados relativamente outros poderes. A ele foram confiadas a nomeação, a disciplina e a gestão das carreiras dos juízes; no entanto, apesar de a sua composição afastar a ideia de se tratar de um organismo de autogoverno dos juízes, o CSM nunca deixou de se apresentar no estado de um problema ontológico por resolver.
A Ordem dos Advogados pode sem dúvida ser consultada pelos poderes públicos sobre problemas relativos á política e à prática da profissão. E quando emite o seu parecer, pode dizer-se que toma uma “posição oficial” sobre o tema da consulta. Mas ir buscar ao reservatório dos lugares comuns o atributo de “oficial”, não teria nunca o condão de poder variar a significação do parecer, de modo a assimilá-lo a um acto administrativo unilateral decisório, eventualmente susceptível de recurso. Um acto de mera opinião ou de mera informação não tem incidência, ou apenas tem uma fraca incidência, sobre o ordenamento jurídico. Não entra sequer na acepção de jurisprudência administrativa; em direito administrativo, a jurisprudência decorre de decisões jurisdicionais “de princípio” que definem uma noção ou estabelecem uma regra nova em termos gerais e abstractos.
Ora, embora a consulta seja redigida em termos gerais e impessoais, o seu sentido é explicitado pela junção de um recorte de jornal que contém o comentário a uma decisão judicial, subscrito por um Advogado. A sentença comentada não é, contudo, fornecida nem apresentada a exame.
É, todavia, fora de questão ousarmos analisar o conteúdo do escrito do senhor Advogado, uma vez que não se trata aqui de fazer o processo do caso nem de emitir juízos sobre o conjunto dos valores que lhe estão associados.
Aliás, parecem-nos óbvias as respostas a dar às duas questões postas na consulta: sim, é legítimo criticar sentenças judiciais nos meios de comunicação social; não, não é legítimo fazê-lo com falta de rigor, deturpação da realidade processual e omissão de factos essenciais à exacta e correcta compreensão das mesmas.
O valor de verdade destas respostas é de tal modo admitido por toda a gente, que (e vamos exprimir-nos de forma breve e sentenciosa) seria porventura ocioso formular esse tipo de perguntas se não se desse o caso de elas terem a utilidade de fecundar os espíritos e os conduzir a outras impressões e até a novas interrogações.
A instituição da justiça distingue-se tradicionalmente pelo carácter da sua independência e por uma natural indocilidade ao despotismo. E porque partilham a mesma cultura, tanto os magistrados como os advogados sempre mostraram possuir uma singular liberdade e uma disposição constestatária que os opõe às arbitrariedades do poder. Aliás, muitas construções doutrinais radicam nesta oposição, tais como a separação rigorosa do público e do privado e a exigência moral da unidade do indivíduo, mediante a criação de direitos gerais do cidadão que prolongam, com a exigência de liberdade exterior, a posse da liberdade interior.
A própria racionalidade da justiça exige a liberdade do advogado como condição constitutiva, sem a qual não seria sequer possível instaurar uma justiça independente. Por seu turno, o juiz recebe a sua legitimidade da sua independência; a credibilidade do estatuto da justiça baseia-se, pois, na independência. E quanto mais poderoso é o juiz, mais a sociedade espera dele a imparcialidade, a competência e a responsabilidade.
Ora, as diferenças das posições relativas que ocupam magistrados e advogados não resultam duma hierarquia de estatuto, que não existe, mas duma distância social, espécie de hierarquia discreta, inseparável da configuração dos projectos individuais, da orientação das escolhas pessoais, das oportunidades económicas e do conjunto de factores de mobilização colectiva.
No inventário dos elementos constitutivos da personalidade, temos de contar com os materiais dominantes do inconsciente pessoal, cujos conteúdos, ao passarem para o campo da consciência, são, regra geral, de aspecto excessivo e desagradáveis, razão pela qual haviam sido reprimidos. Daí que, se o processo de assimilação do inconsciente não for acompanhado de consciência moral e do conhecimento de si mesmo, alguns indivíduos construirão um sentimento do seu eu como qualquer coisa de provocante.
A actualização da personalidade só se consegue com o alargamento da consciência e com o “desmantelamento da influência dominante e excessiva do inconsciente sobre o consciente” (C.G. Jung).
Desse processo de assimilação do inconsciente deve resultar: a) que os advogados se não mostrem tão seguros de si mesmos e não pretendam saber mais do que todos os outros; b) que os juízes abandonem o sentimento de superioridade e deixem de se representar o estado de espírito de quem se toma por “semelhante a Deus”, reputando a sua justiça não apenas como a dum “juiz”, mas como expressão da sua natureza sagrada.
Quer os juízes, quer os advogados não são a “boca da lei”, mas simples intérpretes de numerosas fontes de direito, algumas superiores à própria lei. Uma delas é a inteligência, embora mais uma vez se mostre desaconselhável que advogados e juízes saiam duma única escola; a diversificação do recrutamento dos dois corpos profissionais decerto acabaria com a classificação petrificada das inteligências: inteligência dialéctica dos advogados, inteligência hermética dos juízes.
Aconselhável é, pois, a diversidade do recrutamento, mas com formação especial comum e com partilha activa da cultura institucional da justiça.
A partilha da cultura actua como instrumento de educação que estimula a dominar pela consciência e pela delicadeza a energia dos processos psíquicos, de modo a que as relações e as situações novas sejam admitidas sem cuidados e em confiança, pondo de parte objecções que possam vir ao espírito e evitando as feridas narcísicas, tão difíceis de cicatrizar.
Tocqueville na sua obra L’Ancien Régime et la Révolution, lembra um momento histórico exemplar da confraternidade possível de duas profissões que se distinguem das outras pelo seu carácter de independência. Quando, em resultado da reforma da instituição parlamentar confiada a Maupéou por Luís XV de França, os magistrados sofreram a perda do seu estado e dos poderes, os principais advogados que pleiteavam perante o Parlamento associaram-se voluntariamente à sua sorte, renunciando àquilo que fazia a sua glória e a sua riqueza, condenando-se deste modo ao silêncio, de preferência a comparecer diante de magistrados desonrados. Tocqueville comenta o episódio com estas palavras que servem de epílogo ao que queremos salientar: “Não conheço nada de maior na história dos povos livres do que aquilo que aconteceu nesta ocasião, e todavia isso passava-se no século XVIII, ao lado da corte de Luís XV”.
É este, salvo melhor, o meu parecer.
Alberto Luís
Começamos por notar que o CSM se dirige à Ordem dos Advogados tratando-a pela designação indiferenciada de “esse organismo”. Ora, a Ordem dos Advogados é uma corporação profissional, sem nenhuma qualificação legal, é certo, mas com a natureza jurídica de associação pública profissional, constituída ao abrigo do art. 267.º/3 da Constituição.
Por seu turno, o CSM é um órgão do Estado que assegura a defesa da independência externa dos magistrados relativamente outros poderes. A ele foram confiadas a nomeação, a disciplina e a gestão das carreiras dos juízes; no entanto, apesar de a sua composição afastar a ideia de se tratar de um organismo de autogoverno dos juízes, o CSM nunca deixou de se apresentar no estado de um problema ontológico por resolver.
A Ordem dos Advogados pode sem dúvida ser consultada pelos poderes públicos sobre problemas relativos á política e à prática da profissão. E quando emite o seu parecer, pode dizer-se que toma uma “posição oficial” sobre o tema da consulta. Mas ir buscar ao reservatório dos lugares comuns o atributo de “oficial”, não teria nunca o condão de poder variar a significação do parecer, de modo a assimilá-lo a um acto administrativo unilateral decisório, eventualmente susceptível de recurso. Um acto de mera opinião ou de mera informação não tem incidência, ou apenas tem uma fraca incidência, sobre o ordenamento jurídico. Não entra sequer na acepção de jurisprudência administrativa; em direito administrativo, a jurisprudência decorre de decisões jurisdicionais “de princípio” que definem uma noção ou estabelecem uma regra nova em termos gerais e abstractos.
Ora, embora a consulta seja redigida em termos gerais e impessoais, o seu sentido é explicitado pela junção de um recorte de jornal que contém o comentário a uma decisão judicial, subscrito por um Advogado. A sentença comentada não é, contudo, fornecida nem apresentada a exame.
É, todavia, fora de questão ousarmos analisar o conteúdo do escrito do senhor Advogado, uma vez que não se trata aqui de fazer o processo do caso nem de emitir juízos sobre o conjunto dos valores que lhe estão associados.
Aliás, parecem-nos óbvias as respostas a dar às duas questões postas na consulta: sim, é legítimo criticar sentenças judiciais nos meios de comunicação social; não, não é legítimo fazê-lo com falta de rigor, deturpação da realidade processual e omissão de factos essenciais à exacta e correcta compreensão das mesmas.
O valor de verdade destas respostas é de tal modo admitido por toda a gente, que (e vamos exprimir-nos de forma breve e sentenciosa) seria porventura ocioso formular esse tipo de perguntas se não se desse o caso de elas terem a utilidade de fecundar os espíritos e os conduzir a outras impressões e até a novas interrogações.
A instituição da justiça distingue-se tradicionalmente pelo carácter da sua independência e por uma natural indocilidade ao despotismo. E porque partilham a mesma cultura, tanto os magistrados como os advogados sempre mostraram possuir uma singular liberdade e uma disposição constestatária que os opõe às arbitrariedades do poder. Aliás, muitas construções doutrinais radicam nesta oposição, tais como a separação rigorosa do público e do privado e a exigência moral da unidade do indivíduo, mediante a criação de direitos gerais do cidadão que prolongam, com a exigência de liberdade exterior, a posse da liberdade interior.
A própria racionalidade da justiça exige a liberdade do advogado como condição constitutiva, sem a qual não seria sequer possível instaurar uma justiça independente. Por seu turno, o juiz recebe a sua legitimidade da sua independência; a credibilidade do estatuto da justiça baseia-se, pois, na independência. E quanto mais poderoso é o juiz, mais a sociedade espera dele a imparcialidade, a competência e a responsabilidade.
Ora, as diferenças das posições relativas que ocupam magistrados e advogados não resultam duma hierarquia de estatuto, que não existe, mas duma distância social, espécie de hierarquia discreta, inseparável da configuração dos projectos individuais, da orientação das escolhas pessoais, das oportunidades económicas e do conjunto de factores de mobilização colectiva.
No inventário dos elementos constitutivos da personalidade, temos de contar com os materiais dominantes do inconsciente pessoal, cujos conteúdos, ao passarem para o campo da consciência, são, regra geral, de aspecto excessivo e desagradáveis, razão pela qual haviam sido reprimidos. Daí que, se o processo de assimilação do inconsciente não for acompanhado de consciência moral e do conhecimento de si mesmo, alguns indivíduos construirão um sentimento do seu eu como qualquer coisa de provocante.
A actualização da personalidade só se consegue com o alargamento da consciência e com o “desmantelamento da influência dominante e excessiva do inconsciente sobre o consciente” (C.G. Jung).
Desse processo de assimilação do inconsciente deve resultar: a) que os advogados se não mostrem tão seguros de si mesmos e não pretendam saber mais do que todos os outros; b) que os juízes abandonem o sentimento de superioridade e deixem de se representar o estado de espírito de quem se toma por “semelhante a Deus”, reputando a sua justiça não apenas como a dum “juiz”, mas como expressão da sua natureza sagrada.
Quer os juízes, quer os advogados não são a “boca da lei”, mas simples intérpretes de numerosas fontes de direito, algumas superiores à própria lei. Uma delas é a inteligência, embora mais uma vez se mostre desaconselhável que advogados e juízes saiam duma única escola; a diversificação do recrutamento dos dois corpos profissionais decerto acabaria com a classificação petrificada das inteligências: inteligência dialéctica dos advogados, inteligência hermética dos juízes.
Aconselhável é, pois, a diversidade do recrutamento, mas com formação especial comum e com partilha activa da cultura institucional da justiça.
A partilha da cultura actua como instrumento de educação que estimula a dominar pela consciência e pela delicadeza a energia dos processos psíquicos, de modo a que as relações e as situações novas sejam admitidas sem cuidados e em confiança, pondo de parte objecções que possam vir ao espírito e evitando as feridas narcísicas, tão difíceis de cicatrizar.
Tocqueville na sua obra L’Ancien Régime et la Révolution, lembra um momento histórico exemplar da confraternidade possível de duas profissões que se distinguem das outras pelo seu carácter de independência. Quando, em resultado da reforma da instituição parlamentar confiada a Maupéou por Luís XV de França, os magistrados sofreram a perda do seu estado e dos poderes, os principais advogados que pleiteavam perante o Parlamento associaram-se voluntariamente à sua sorte, renunciando àquilo que fazia a sua glória e a sua riqueza, condenando-se deste modo ao silêncio, de preferência a comparecer diante de magistrados desonrados. Tocqueville comenta o episódio com estas palavras que servem de epílogo ao que queremos salientar: “Não conheço nada de maior na história dos povos livres do que aquilo que aconteceu nesta ocasião, e todavia isso passava-se no século XVIII, ao lado da corte de Luís XV”.
É este, salvo melhor, o meu parecer.
Alberto Luís
Foi aprovado em 22 de outubro de 2004
domingo, 7 de dezembro de 2014
Sermão aos mexilhões
Os peixes de ontem são os mexilhões de hoje. Parecendo tão diferentes, têm esse atributo comum: ouvem e calam. Mas mesmo calados, é improvável que não descortinem o sal da água e a mentira da vida. O que vos tiraram, foi do nada que tiraram. Por isso se podem vangloriar que nada tiraram. Se cuidais, porventura, que estas injustiças entre vós se toleram e passam sem castigo, enganai-vos.*
*Padre António Vieira
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Que mais falta a isto, que ninguém ousa dizer e todos entendem?
"Ora, se palavras neutras são culpa, que fariam as positivas, e as queixas formais, et quis est Deus qui eos eriperet das mãos dos senhores inquisidores, que logo gritam ao povo que é uma causa da santa fé? O gemer e o suspirar, que a natureza reservou por arma privilegiada ao oprimido, é interdito àquele povo. Palavras que nem sequer provam queixa, mas que apenas dão lugar a essa presunção, e esta talvez duvidosa, castigam-se num palco público severamente, condena-se aquela desafortunada ao cárcere, à infâmia perpétua e ao desterro; com ignomínia eterna de uma família. Aquela pobre mulher terá dito em conversa familiar quaisquer palavras que terão feito presumir que a sua confissão de 1662 era falsa e extorquida por medo da morte, por causa dos horrores da prisão e dos cruéis tormentos; ou que terá lamentado a sua má fortuna de ser acusada injustamente e de ter caído nas mãos de um tribunal tão rigoroso, ainda que as palavras não tenham este sentido, e se pudessem entender de outro modo. Aquele fogo também reprime as lágrimas e afoga os gemidos, e concentra o incêndio no coração. Que mais falta a isto, que ninguém ousa dizer e todos entendem?"
Padre António Vieira, Escritos sobre os Judeus e a Inquisição
Ar de escuta
Do DIÁRIO, de Mário Sacramento, em Dezembro, 5 (1967) -
Lá estive outra vez em Lisboa. A mesma sedução e a mesma repulsa. As oportunidades e o desamparo, com aqueles fins de tarde tão luminosos e melancólicos a um tempo, como o Cesário o viu.
Fui de carro com o Costa e Melo e Esposa. Passámos depois nos sítios por onde andei «ao dilúvio», mas já mal se apercebe a extensão do flagelo. Não consegui localizar o sítio onde abandonámos o carro. E verifiquei que não chegámos a atingir a auto-estrada, afinal: de noite - e noite como aquela, sobretudo, o engano é fácil para quem não está familiarizado com o ambiente.
Diz-se que os Serviços Meteorológicos previram o cataclismo, mas os poderes não deixaram dar a notícia... para não suscitar alarmes. Houve também telefonemas para a Emissora, a informar de cortes de pontes, que não foram tomados em consideração e originaram mortes, entre elas a de um médico. Enfim, a sagrada paz portuguesa: morre calado e contente!
O gerente da Arcádia, Dias de Carvalho, não só perdeu o automóvel, mas todo o recheio da casa. Ainda por cima, ficou com a família colateral a seu cargo, por morte dum irmão ou irmã, já não sei. Anda tão desorientado, que não voltou a pôr os pés na casa onde trabalha. Naquela zona ribeirinha da cidade - Largo de S. Paulo, etc. - as casas foram totalmente saqueadas pelas águas. Houve ourives, p. ex., a quem a corrente da inundação levou todas as jóias.
Depois de gatafunhar os livros, almocei com o Namora, em casa dele. À tarde, encontrei o Armindo Rodrigues e o Manuel Mendes no Chiado, como é hábito. O último com um aspecto e uma fadiga física que me impressionaram: perdeu, nos últimos meses, oito quilos, anda com uma diarreia há meses, já foi radiografado e o Cascão de Anciães atribui a malaise a uma virose das que os expedicionários têm trazido de África. Será mentira piedosa? Não tem onde cair morto, coitado, se tiver de largar a pena! Embora com manifesto esforço, continua pétillant de espírito, contando as mil histórias, em catadupa, que só ele conhece. Falou-me com saudade do Caraça: todos os dias pensa nele, inquirindo o que opinaria sobre isto sobre aquilo, se fosse vivo. Lá andámos os três, de livraria em livraria, como outros vão de taberna em taberna.! Sempre a olhar quem se encosta à estante mais próxima, com ar de escuta!
A despeito da presença do Embaixador da França, e do Forjaz Trigueiros, entre outros, a PIDE proibiu um jantar, que seria seguido de colóquio, do Claude Roy com umas três dezenas de intelectuais. O Trigueiros telefonou ao ministro dos Negócios Estrangeiros, que achou «impossível» e prometeu intervir, mas o facto é que a Srª D. PIDE só condescendeu em que seis deles (nem mais um!) fossem jantar para outro lado e... sem colóquio... Comeram pato mudo, provavelmente!
No regresso para cá, três viúvas menopausadas, à minha frente, no «foguete», contando e recontando as suas amarguras. Todas de saias muito curtas, mas todas em luta com elas para esconderem os joelhos! Trariam contrabando?! O certo é que me senti tão viúvo como elas, mas das ilusões, que são o sal da terra!
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
O fim da dialética
O modelo que padroniza a investigação criminal balanceia-se entre a necessidade da eficácia nos resultados e a defesa das garantias nos meios. Há, pois, uma tensão nessa dinâmica em que, por um lado, está o Ministério Público e, por outro, o Juiz das Liberdades. O que se espera dos seus procedimentos não é a consonância nos propósitos mas a vigilância recíproca nas condutas. Porém, parece estar a assistir-se ao esboroar desse modelo, com a confusão dos papéis e o fim da dialética investigatória.
domingo, 30 de novembro de 2014
Desigualdade
* Worldwide, women still earn between 10% and 30% less than men.
* Globally, women make up only 21.9% of parliamentarians, with only 19 female world leaders.
* In Ireland, only 15% of parliamentarians elected at the last general election were women.
* Of the 500 largest corporations in the world, only 25 have a female chief executive officer.
* Just 9% of board positions in the top companies in Ireland’s stock exchange are held by women.
* 29% of young women have experienced violence at the hands of their partners.
sábado, 29 de novembro de 2014
Superioridade moral
Não creio que juízes e procuradores sejam moralmente superiores a deputados, ministros, presidentes de câmara ou de freguesia; ou vice-versa. Como também não creio que o Doutor Paulo Morais seja moralmente superior a uns e a outros. Não há justiça onde não houver a serenidade da prova e o distanciamento da análise. Uma justiça penal de causas só pode justificar o arbítrio. As ditaduras sempre se afirmaram em superioridades morais.
Contra o lugar comum
Acima, abaixo, em 20/11/2011
Ninguém pode estar acima da justiça; ninguém deve estar abaixo da justiça.
Reflexão republicana, em 5/10/2013
Mais do que a existência de indivíduos que estão acima das leis, o que me preocupa, hoje, são os cidadãos, muitos, que estão abaixo das leis.
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
Das escutas
Preocupações antigas, de 17/1/2004
Escutas, por partes IV, de 15/4/2011
Escutas, por partes II, de 26/3/2011
Escutas à solta, de 11/2/2010
A semiótica das escutas, de 23/112011
Coragem outra, de 8/10/2010
Como se destroem as escutas?, de 12/4/2010
11 mil, de 1/4/2012
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Justiça em segredo
Nada haverá de mais desigual e cruel para um arguido em prisão preventiva do que uma justiça que, em nome do segredo de justiça, faz da justiça um exercício de segredos aparentes.
A primeira regra deontológica
... a primeira regra deontológica do jurista deve ser não o cultivo da auto-suficiência e da arrogância, mas a assunção de um espírito de serviço; de serviço, tanto aos valores culturais e políticos democraticamente positivados na constituição e nas leis, como às regras de arte de um saber jurídico que reflicta esta atitude de serviço à democracia pluralista; ...
António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2ª edição, pag. 159
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
Mário Soares
O que lhes dói é que, provavelmente, Mário Soares vai ser o único português a ficar na História do Mundo Livre.
Leituras
A justiça continua a ser um muro de lamentações e o lugar geométrico das irracionalidades, dos conflitos e das frustrações de uma sociedade em transformação.
São múltiplas as razões.
A minha geração assistiu a uma profunda mutação do sistema jurídico.
Não foi só a inflação legislativa, com o aparecimento daquilo a que já se chamou direito «mudo» e «inculto» e o enfraquecimento da capacidade de auto-reflexão da ciência jurídica. Foi a fragmentação e a desordem disciplinar, com o aparecimento de novas matérias, muitas vezes observadas como resultado da especialização quando são apenas o deslizar para o interior do direito de pretensões normativas que lhe eram estranhas.
A globalização acelerou este processo com o alargamento exponencial de mercado que rapidamente incluiu um mercado de ideias e contribuiu para a banalização do discurso público sobre o direito.
(fls. 81/82)
Cunha Rodrigues, Recado a Penélope
terça-feira, 25 de novembro de 2014
A vida continua
Há uns tempos, um amigo perguntava-me porque não escrevia as minhas memórias. O que lhe respondi foi que não tinha memórias, mas apenas umas tantas estórias. Nada há de mais volátil do que a justiça. A verdade de hoje tem sérias probabilidades de ser a mentira de amanhã. Ou vice-versa. O relativismo das convicções nada é quando comparado com o relativismo da jurisprudência. Ainda o confirmei, há pouco, ao ouvir Ana Figueiredo Pina, vencedora do Prémio Teresa Rosmaninho. São essas as estórias, se tiver engenho, que um dia contarei.
domingo, 23 de novembro de 2014
A frincha
Há uns tempos a esta parte, a comunicação social tem obtido imagens dos arguidos que se encontram detidos nas instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal a fim se serem interrogados. São imagens inevitavelmente humilhantes e cujo relevo informativo é obviamente nulo. Estando no exterior quem as capta, o que intriga é o conluio que permite a abertura discreta, afastando os cortinados, no local adequado à sua recolha. Só nos resta que venha por aí alguém a explicar que são os arguidos que, sedentos de protagonismo ou para descredibilizarem a investigação, esticam as mãos sediciosas e, de mansinho, abrem a frincha.
sábado, 22 de novembro de 2014
Pelo civismo judiciário
Buscas, notícias, impunidade - em 7/12/2012
O pelourinho - em 23/8/2014
Não se deveria fazer justiça sem se terem lido os Escritos sobre os Judeus e a Inquisição, do Padre António Vieira: não apenas por uma questão de português, mas também de ética.
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Um Orçamento míope
O Grupo Economia e Sociedade, parceiro da Comissão Nacional Justiça e Paz, considera que o Orçamento para 2015 "é um orçamento de continuidade, míope em relação às necessidades de desenvolvimento, à indispensável modernização do sector produtivo e à coesão social e territorial e não reflecte, com assertividade, as lições do passado recente”.
E numa síntese contundente: "mutila as capacidades do país".
É notícia aqui.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Serviço cívico
Atribuído o Prémio Teresa Rosmaninho 2014 ao estudo “O carácter discriminatório da exigência de outras formas de violência para além da actuação com o dissentimento da vítima para efeitos de preenchimento do crime de violação”, de Ana Figueiredo Pina
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Voltando à corrupção
Em 12 de setembro de 2009, postei um texto com o título A corrupção ou as sombras dela, e, em 7 de dezembro de 2009, um outro com o título Da peita à corrupção.
Perdoem-me a imodéstia: cinco anos depois, creio que não perderam atualidade
domingo, 16 de novembro de 2014
sábado, 15 de novembro de 2014
Um passivo tóxico
Marques Mendes, não sei em que qualidade, deu uma entrevista ao Diário Económico. À primeira página, em letras garrafais, foi chamada uma daquelas frases que deve mais ao caráter e à propaganda do que à análise sóbria de que um país em declive necessita. Sócrates é uma espécie de ativo tóxico de António Costa. Poderia, à volta desta frase e à boleia das notícias de hoje, exercitar-se uma ironia tóxica; mas basta a epígrafe.
A limpeza
A expressão não é feliz: limpeza eletrónica. Compreende-se que um serviço secreto as possa realizar na defesa da segurança das instituições. Mas de que instituições? E com que caderno de encargos? Um qualquer departamento do Estado pode solicitar essa limpeza? E, solicitando-a, são tomadas as medidas de articulação funcional que permitam concluir que a limpeza é legítima? Ao longo dos anos, tenho constatado o diálogo difícil entre as diversas entidades elencadas na Lei de Segurança Interna. A dificuldade de partilhar informação ou conjugar propósitos arrasta-se sem fim à vista. Isto sim, a precisar de uma limpeza.
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
O insólito
No mesmo dia em que os portugueses ouvem falar, à saciedade, de corrupção e branqueamento de capitais, não deixa de ser insólito que, lendo o DN, se constate que "o secretário de Estado dos Transportes defendeu que o interesse no processo de compra da PT Portugal é o projeto e não a origem do dinheiro".
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Leituras
O perigo a sondar-me. Esquecido numa cidade pequena, ainda Vila, onde amanhã vou tomar posse e hoje sou forasteiro, como se fosse o último dia antes da Quaresma e tudo me fosse ainda permitido, sem constrangimentos, que amanhã era-me exigível um comportamento irrepreensível, exemplar, como de um sacerdote que abraça a vida de renúncia dos prazeres do mundo.
As meninas da janela debruçaram-se afrontosamente no parapeito, à altura da minha cara, roçavam os seios na madeira da janela, à distância de um toque, da vontade.
- «Traz tabaco e sobe».
Fizeram o gesto de me ajudar a subir pela janela. Brilhavam de lascívia inocente. Como se a inocência transportasse lascívia. O medo voltava, deixavam-me nervoso e mais insistiam. Era o meu último dia antes que de manhã passasse a ser o novo juiz da comarca. Nunca mais tomaria banho no rio. Nunca mais subiria pela janela do quarto das jovens que dançavam o samba ao som daquele estribilho,
Me dá, me dá, me dá
E da língua longa
Me dá, me dá, me dá...
(pag.84/85)
Edições Simplesmente, 2014
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Leituras
Nas horas de perigo iminente, de traição interna ou estranhas ameaças, afirma-se em rebates indisciplinados, violentos mas justos, criando atmosferas nobres que a mediocridade dos políticos ainda não soube aproveitar.
Mas Portugal não é um cadáver. Apenas as reacções de vida que o agitam não se comunicam no tempo e ao seu organismo total. A vida de um povo é feita de esforços que se ligam e se continuam.
Em Portugal sofre-se a ânsia da liberdade. Está o mar próximo e nas almas anda a largueza dos vastíssimos horizontes. Mas desconhece-se a prática da liberdade. As almas sofrem duma excedência criadora inaproveitada e duma incapacidade aparente, na vida colectiva, para as lutas da vida moderna.
Portugal-maioria desconhece o mundo.
Vive no exílio de si mesmo.
(pag. 14/15)
Livraria Chardron, de Lêlo & Irmão, Limitada, Editores - 1919
terça-feira, 11 de novembro de 2014
Denúncia caluniosa
Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Código Penal, artigo 365'
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Arquivamento
O Ministério Público proferiu hoje o despacho final de arquivamento no inquérito relacionado com a plataforma informática CITIUS por "considerar não existirem indícios (art.º 277º n.º 1 do Código de Processo Penal) do crime de sabotagem informática e por não terem sido apurados indícios suficientes (art.º 277º n.º 2 do Código de Processo Penal) quanto ao crime de coação".
O comunicado da Procuradoria Geral da República (PGR) esclarece que "dos elementos recolhidos não resultou prova suficiente relativamente à verificação do crime de coação".
Ponto final
O Presidente da República declarou (um Presidente não diz, declara) que não haverá eleições legislativas antecipadas. Alguns comentaristas viram em tal declaração um exercício de coerência. Não creio que seja assim. O Senhor Presidente sempre ousou quando quis ousar e recuou quando quis recuar. Nas circunstância atuais, a antecipação das eleições legislativas talvez viesse a exigir, politicamente, a antecipação das eleições presidenciais. Isso, sim, é que seria, mais do que a bomba atómica, o ponto final.
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
Timor-Leste
De Luís Salgado de Matos, em O Economista Português:
O Economista Português julga não haver motivo de indignação; um juiz é um titular de um órgão de soberania – apesar de não ser eleito. Portugal autorizou portanto cidadãos seus a serem titulares de órgãos de soberania num outro país soberano. Esta autorização é um erro e uma insensatez. Mas há quem, exercendo altas responsabilidades no Estado português, dê interpretações da Constituição de Timor-Leste, esquecendo que se trata de um Estado independente. Devíamos aproveitar a ocasião para revermos as infra estruturas jurídicas da nossa cooperação em vez de ensaiarmos uma recaída senil num chauvinismo bacoco, juridicamente injustificado, politicamente irresponsável e economicamente perigoso.
O Economista Português julga não haver motivo de indignação; um juiz é um titular de um órgão de soberania – apesar de não ser eleito. Portugal autorizou portanto cidadãos seus a serem titulares de órgãos de soberania num outro país soberano. Esta autorização é um erro e uma insensatez. Mas há quem, exercendo altas responsabilidades no Estado português, dê interpretações da Constituição de Timor-Leste, esquecendo que se trata de um Estado independente. Devíamos aproveitar a ocasião para revermos as infra estruturas jurídicas da nossa cooperação em vez de ensaiarmos uma recaída senil num chauvinismo bacoco, juridicamente injustificado, politicamente irresponsável e economicamente perigoso.
domingo, 2 de novembro de 2014
As medalhas
Não são as medalhas que ficam na história; nem ninguém ficará pelas medalhas que ostenta, ou pelas medalhas que atribui. É patético que ainda possam ser notícia quando já não pertencem, sequer, à espuma dos dias. Só um poder que se sustenta da sua própria obsessão pode acreditar que uma medalha, hoje, vale mais do que as medalhas de cortiça da infância de cada um de nós.
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Erro judiciário - Índice
Dei aqui guarida a várias entradas sobre o erro judiciário.
Parece-me oportuno transcrever aquela que é datada de 15 de novembro de 2011, com o título Confissão e erro judiciário.
A leitura da dissertação de Aline Ficheau, Les Erreurs Judiciaires, é um excelente elemento de consulta numa área a que a escola que enforma juízes e procuradores em Portugal não presta qualquer atenção. Num momento em que a confissão volta a ser exibida como redentora da justiça penal, as considerações à volta dos seus riscos merecem particular atenção.
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Em busca do tempo perdido
Há anos que tenho à minha frente os sete volumes, na tradução de Pedro Tamen. Em 1974, comprei e li folheando Um amor de Schwann, na tradução de Álvaro Simões e numa coleção (1) de livros mágicos; ou assim me parecia. Porém, 1974 não era um bom ano para ler Proust. Ainda que não saiba se 2014 o será, a verdade é que o tempo corre, intocável e sem ironia. Olhando o verde que esmaece no Bom Velho de Cima, dou conta de que o outono tem exigências que me obrigam a escolher: um interregno ou o fim, o tempo o dirá.
(1) Livros do Brasil, Coleção Miniatura, n. 147, capa de Infante do Carmo
(1) Livros do Brasil, Coleção Miniatura, n. 147, capa de Infante do Carmo
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
A liberdade de pátio
A liberdade de pátio, de Mário de Carvalho, obteve o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores na área do Conto e Novela. Já o tinha distinguido aqui.
Regras para a identificação testemunhal
Today the National Academy of Sciences issued a landmark report evaluating the scientific research on memory and eyewitness identification. Researchers conducted an in-depth review of three decades of basic and applied scientific research on eyewitness identification and provided recommendations for improving police identification procedures and for how courts handle eyewitness evidence. The Innocence Project, which has long advocated for many of the reforms recommended in the report, urges states and courts across the nation to enact the recommendation in order to prevent wrongful convictions.
Leituras
«Já os leu todos?» Não, claro que não. Ou talvez sim. Na verdade, não sei. É complicado. Há livros que li e esqueci (muitos), e alguns que me limitei a espreitar e de que me lembro. Ou seja, nem todos foram lidos, mas todos foram folheados, cheirados, sopesados.
pag. 61
A memória
A história faz-se devagar. Os comentaristas que por aí andam excitados com o regresso de José Sócrates à boleia da vitória de António Costa têm uma razão que é apenas a da cronologia. A memória não se risca, por mais perverso que seja o discurso que o pretenda. O sentido político do que se passou é, objetivamente, o contrário. A vitória tão expressiva de António Costa foi também possível porque não apagou a memória. Só por si, esse gesto é um programa que obteve o voto de dezenas de milhares de cidadãos.
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
Uma justiça a preto e branco
Blacks are far more likely to be arrested for selling or possessing drugs than whites, even though whites use drugs at the same rate.
Christopher Ingraham, The Washington Post
Christopher Ingraham, The Washington Post
Leituras
Este estado, na verdade indescritível, durou quatro meses. Ora, quatro meses é uma expressão que se escreve com relativa facilidade: apenas uma dúzia de letras! Pronuncia-se facilmente - quatro sílabas. Numa fração de segundo, os lábios articulam rapidamente um som destes: quatro meses! Mas ninguém consegue descrever, consegue medir, consegue demonstrar, nem a si próprio nem a ninguém, qual é a duração do tempo na ausência do espaço, na ausência do tempo e não se consegue explicar a ninguém como isso corrói e destrói, este nada, nada e nada à sua volta, sempre a mesma mesa e a cama e o lavatório e o papel de parede e sempre o silêncio, sempre o mesmo guarda, que, sem nos olhar, empurra a comida para dentro, sempre os mesmos pensamentos, que giram à nossa volta no nada até que fiquemos loucos.
(pag. 61)
terça-feira, 30 de setembro de 2014
A tralha socrática
Hoje justifica-se recordar o excelente trabalho desenvolvido pelo Professor Mariano Gago na dinamização da ciência e da investigação em Portugal.
domingo, 28 de setembro de 2014
A nulidade do ADN
1.
A Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro. veio permitir a criação de uma base de dados de perfis de ADN de condenados por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída.
Porém, a recolha de amostras para o efeito não é o resultado necessário da condenação mas é ordenada mediante despacho do juiz.
A intervenção do juiz justifica-se já que se está no domínio dos direitos e das garantias, exigindo uma prognose sobre a probabilidade de uma reincidência criminal.
2.
Numa primeira fase, os tribunais, talvez por falta de rotinas ou ausência de promoção do Ministério Público, raramente determinavam a inserção do perfil de ADN na respetiva base, mesmo em crimes que melhor a justificariam.
Atualmete, verifica-se essa determinação de uma forma mecânica, desacompanhada de um juízo de facto e de direito sobre a necessidade de ter o perfil do condenado na base de dados.
Sem contraditório e na continuada ausência de promoção do Ministério Público, é aplicada uma medida que é mais gravosa que a quebra do segredo bancário, mas com menos cautelas.
3.
Se a sua aplicação encontrará uma fácil justificação nos crimes contra as pessoas, parece que carecerá de uma justificação mais plausível em crimes de outra natureza.
E menos se justificará em decisões em que a pena de prisão fica com a execução suspensa, pois o juízo de prognose é favorável ao condenado.
4.
Não exagerarei se concluir as decisões, na sua maioria, que têm determinado a recolha de amostras para inserção dos perfis de ADN dos condenados são nulas.
sábado, 27 de setembro de 2014
Sobreviver à Gaiola do Macaco
Sanjar Umarov lifted his pants legs and rolled down his socks to show the scars that criss-crossed his ankles. Umarov, a former political prisoner from Uzbekistan, said the scars served as a permanent reminder of his time in the “monkey cage,” a cell that left prisoners exposed to the outdoors. His first time in that cell, the frigid winter almost killed him. He and the other prisoners, wearing only lightweight shirts and pants, rocked back and forth to keep warm and stay alive.
Amy Braunschweiger, Human Rights Watch
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
O direito penal
O direito penal, que deveria ser residual, tornou-se socialmente avassalador. Tratado como se fosse o eixo da solução, espera-se dele respostas que, como é óbvio, não pode dar. A sua função é simples: punir quem pratica crimes com penas que possibilitem a integração comunitária do criminoso. Naturalmente, uma função tão singela nada tem de mediática. É preciso encontrar uma outra, melodramática e demagógica, que faça o apelo aos mais sórdidos desejos de vingança. Não deve ser fácil ter de julgar neste contexto em que o direito penal é o rosto de uma nevrose coletiva.
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
O esquecimento
Os crimes não prescrevem; o que prescreve é o procedimento criminal. Quando o Estado abdica do procedimento criminal forja uma espécie de esquecimento: o esquecimento legal. Não se deve confundir com a falta de memória ou com um alheamento ético.
Procurador-Geral resignou
Mr. Holder, the 82nd attorney general and the first African-American to serve in that position, had previously said he planned to leave office by the end of this year.
Particularly in President Obama’s second term, Mr. Holder has been the most prominent liberal voice of the administration.A esperança
Ontem, no ISMAI, numa sessão de homenagem ao Conselheiro Simas Santos, ouvi uma exposição do Professor Germano Marques da Silva com o título "O Populismo Penal. A Retribuição Novamente?".
A denúncia indignada dos que pretendem reduzir o direito penal a um exercício de vingança, esquecendo os valores e os princípios que o cimentaram ao longo da história, foi, a um tempo, exaustiva e comovente. Num tempo em que uma austeridade leviana até o direito à indignação parece ter corroído, reconforta a esperança ouvir lições assim.
terça-feira, 23 de setembro de 2014
Demissão do Ministro da Justiça
Por causa de uma lei cuja proposta foi retirada por não ser consensual, Gallardón não só se demitiu como abandonou a política.
El País
El País
domingo, 21 de setembro de 2014
As culpas de quem
A Professora Estrela Serrano sustentou que "se não existisse o segredo de justiça talvez a justiça fosse mais transparente e o jornalismo menos suscetível de ser instrumentalizado pela própria justiça."
Destaquei o talvez por me parecer que, não sendo uma certeza, me permitirá também advogar o meu talvez.
O segredo de justiça não é uma necessidade absoluta da investigação criminal tomada no seu todo, mas é essencial à investigação da criminalidade mais densa e obscura.
Sobre a dimensão legal do segredo de justiça escrevi aqui.
Sobre a sua prática, direi que é feita de acasos.
Se acabássemos com o segredo de justiça, não acabaríamos com a violação dos mesmos princípios deontológicos.
Parece-me ter atualidade a reflexão que registei em 30 de abril de 2010: O que se está a verificar são os julgamentos sumários, não só pela violação do segredo de justiça, mas sobretudo pela assunção institucional dos factos e da prova sem que se tenha verificado qualquer contraditório.
Sobre a sua prática, direi que é feita de acasos.
Se acabássemos com o segredo de justiça, não acabaríamos com a violação dos mesmos princípios deontológicos.
Parece-me ter atualidade a reflexão que registei em 30 de abril de 2010: O que se está a verificar são os julgamentos sumários, não só pela violação do segredo de justiça, mas sobretudo pela assunção institucional dos factos e da prova sem que se tenha verificado qualquer contraditório.
Não creio, por isso, que com o desaparecimento do segredo de justiça o jornalismo fosse "menos suscetível de ser instrumentalizado pela própria justiça."
Chegará o dia em que teremos de refletir sobre a suscetibilidade da justiça também ter sido e continuar a ser instrumentalizada pelo jornalismo.
Chegará o dia em que teremos de refletir sobre a suscetibilidade da justiça também ter sido e continuar a ser instrumentalizada pelo jornalismo.
sábado, 20 de setembro de 2014
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Uma frase inelutável
"A história está cheia de erros judiciários em decisões que foram ao encontro dos anseios da opinião pública."
Francisco Proença de Carvalho, Económico
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
O descalabro
Prometo que não voltarei ao tema. O drama maior da justiça é que não se pode voltar atrás. À deriva, o futuro tornou-se uma incógnita. Não duvido que a preocupação mais genuína seja a dos advogados e que o prejuízo maior que acarreta seja o dos cidadãos. Não foi só a informática que falhou, mas também o propósito que justificou este roteiro. Ficámos dependentes de um milagre que permita a ressurreição dos processos.
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Comparações
"Um governo que decide avançar com a maior reforma judiciária dos últimos 200 anos (segundo as palavras da titular do cargo) sem cuidar dos instrumentos logísticos do quotidiano das instituições abrangidas, só pode ser comparado com um Estado que entrasse em guerra com um exército de objetores de consciência."
Viriato Soromenho-Marques DN
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Um outro sucesso do ADN
A woman who was freed from prison in May after being sentenced to life for slitting her 3-month-old son's throat has been found innocent by a Tulsa County District Judge.
Michelle Murphy, who had been in jail or prison for 20 years, had her sentence vacated by DNA evidence earlier this year.
domingo, 14 de setembro de 2014
Os custos sociais do Mapa Judiciário
“Pode não haver dinheiro” para os magistrados descentralizarem os julgamentos, admite o director-geral da Administração da Justiça, o também juiz Pedro Lima Gonçalves. (Público)
Mas ninguém se interroga sobre se os cidadãos têm dinheiro para suportarem os custos da centralização dos julgamentos
sábado, 13 de setembro de 2014
Direito ao esquecimento
"No Brasil temos alguns casos relevantes sobre a proteção de dados e direito ao esquecimento. Um dos principais é o da apresentadora Xuxa (Maria da Graça Meneghel), que luta na justiça pela retirada da ligação do seu nome com as buscas pelas palavras “pornografia” “pedofilia” e “Sexo”, espalhadas por diversos links na internet em razão do filme que gravou em 1982, onde protagoniza uma cena de sexo com um garoto de 12 anos de idade, Marcelo Ribeiro, que deixou de ser professor para tornar-se ator pornô aos 38 anos.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro chegou a julgar procedente o pedido da apresentadora contra a empresa Google, atribuindo multa de 20 mil reais para cada link, porém, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão afirmando que a empresa não é responsável pela produção e divulgação do conteúdo, cumpre apenas o papel de ferramenta de pesquisa, organizando os resultados. (Será?) A decisão foi em 2012 e agora aguarda posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro chegou a julgar procedente o pedido da apresentadora contra a empresa Google, atribuindo multa de 20 mil reais para cada link, porém, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão afirmando que a empresa não é responsável pela produção e divulgação do conteúdo, cumpre apenas o papel de ferramenta de pesquisa, organizando os resultados. (Será?) A decisão foi em 2012 e agora aguarda posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Em 2013, o STJ reconheceu o Direito ao Esquecimento, mas em um caso um pouco diferente. Um homem absolvido pela acusação de ter participado da Chacina da Candelária, apesar de ter recusado entrevista à reportagem da TV Globo, o programa foi ao ar apontando-o como envolvido no crime, mas que havia sido absolvido pela justiça. O STJ reconheceu que ele tinha o direito de ser esquecido, especialmente por ser inocente, que a lembrança do seu nome vinculado ao fato gerou danos morais, por isso condenou a TV a pagar o valor de 50 mil reais."
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
A Sorte Grande
O nosso homem na Comissão Europeia recebeu o pelouro da investigação e da ciência. Do que pensa ou conhece sobre as matérias, nada se sabe. O que se destaca, porém, no discurso pacóvio das conveniências são os 80 mil milhões que lhe couberam em sorte, como se a sua função fosse a de um benemérito. É natural que investigadores e cientistas não se sintam identificados com o nosso homem.
Os profissionais
Na primeira página do Jornal de Notícias, Isabel Jonet, profissional da caridade, "denuncia" os profissionais da pobreza. Nos tempos que correm, melhor seria denunciar os profissionais da riqueza.
Serviço cívico
Programa:
14h30
O ser humano e a modernidade: reflexõesantropológicas e culturais
Professor Doutor Fernando Batista Conde
Monteiro
Universidade do Minho
15h
A actual situação da Criminologia no âmbito daCiência Conjunta do Direito Criminal
Professor Doutor José Manuel Damião da
Cunha
Universidade Católica Portuguesa – Porto
15h30
O Populismo Penal. A Retribuição Novamente?Professor Doutor Germano Marques da Silva
Universidade Católica Portuguesa – Lisboa
16h
A transmissão de dados e informações entre aAdministração Tributária e o Processo Penal
Professor Doutor Manuel da Costa Andrade
Universidade de Coimbra
16h30
EncerramentoProfessor Doutor Mário Ferreira Monte
Universidade do Minho
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Segurança Interna
13 anos depois do 11 de setembro e 6 anos após a criação inglória de um secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, continua-se, à volta de uma mesa, a analisar o conceito e a perspetivar a organização. Tanta análise só denuncia a incapacidade política, nos sucessivos governos, para um consenso entre os ministros intervenientes. A dispersão das tutelas policiais, estimulando os corporativismos e as clientelas ministeriais, é a doença infantil da Segurança Interna. Até lá, a análise continuará: irresoluta.
No pasa nada
É hoje difícil avaliar a dimensão do caos que atingiu a justiça. Depois de um silêncio cúmplice, começam a surgir os factos e as críticas veladas. Todos os seus agentes têm a obrigação cívica de darem testemunho do que se passa. Se não se passa nada, então é porque a justiça se tornou numa irrelevância social.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Uma estranheza justificada
"O que é, no entanto, estranho é o apoio público que os magistrados, quer através dos seus conselhos superiores, quer através das suas associações profissionais, estão a dar a esta "reforma", ao contrário dos advogados e dos funcionários judiciais. Quando os tribunais estão paralisados desde Abril passado, não se sabe quando voltarão a funcionar em pleno, e a imagem da justiça é ridicularizada, com a colocação de tribunais a funcionar em contentores, seria de esperar outro tipo de reacção dos magistrados em defesa do poder judicial."
terça-feira, 2 de setembro de 2014
CITIUS
Só por ironia a designação do sistema informático que gere a justiça é o termo latino em epígrafe. As decisões erráticas, tomadas nos últimos anos, com o afastamento de pessoas verdadeiramente empenhadas e conhecedoras do sistema, não podem deixar de refletir-se na situação atual.
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Leituras
Ajudar pobres e ricos a alcançar a justiça e julgar sem olhar a classe social e às pessoas faz parte dos mandamentos fundamentais da ética judicial. O Estado de direito exige que a justiça se aplique a toda a gente. Menos evidente é a questão de saber se este aspeto processual da ideia de igualdade é válido igualmente para a instituição da administração da justiça civil como um todo. Nem o juiz, individualmente, nem o Estado, escolhem as partes de um processo. Pelo que não são diretamente responsáveis por quem faz uso da oferta desta decisão imparcial dos conflitos. Mas, se se quiser avaliar da função dos tribunais e do direito civil que eles impõem à sociedade, ganha então sentido perguntar se a prestação da justiça pelo Estado se exerce igualmente em todos os grupos sociais. A favor de quem e contra quem é prestada justiça? Que camadas sociais fazem realmente uso da possibilidade de solucionar conflitos por vias legais?
Pág. 235
Pág. 235
domingo, 31 de agosto de 2014
Simplicidade, de Cesare Pavese
O homem só -esteve na cadeia- volta à cadeia
de cada vez que come um bocado de pão.
Na cadeia sonhava com lebres que fogem
no húmus invernal. Na névoa de inverno
o homem vive entre paredes de ruas, bebendo
água fria e comendo um bocado de pão.
Acredita-se que depois renasça a vida,
que a respiração se acalme, que o inverno volte
com o odor do vinho na quente taberna,
e o bom fogo e o estábulo e as ceias. Acredita-se,
enquanto se está lá dentro, acredita-se. Sais ao fim da tarde
e as lebres apanharam-nas e comem-nas ao quente
os outros, alegres. Tens de os ver pelos vidros.
O homem só ousa entrar para beber um copo
quando o frio é muito e contempla o seu vinho:
a cor fumosa, o sabor pesado.
Come o bocado de pão que sabia a lebre
na cadeia, mas agora já não sabe a pão
nem a nada. E também o vinho só sabe a névoa.
O homem só pensa naqueles campos, contente
de os saber já lavrados. Na sala deserta
tenta cantar em voz baixa. Revê
ao longo do dique os tufos de silvas desnudadas
que em Agosto eram verdes. Lança um assobio à cadela.
E a lebre aparece e deixam de ter frio.
Do livro Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite, Edições Cotovia, 1997
de cada vez que come um bocado de pão.
Na cadeia sonhava com lebres que fogem
no húmus invernal. Na névoa de inverno
o homem vive entre paredes de ruas, bebendo
água fria e comendo um bocado de pão.
Acredita-se que depois renasça a vida,
que a respiração se acalme, que o inverno volte
com o odor do vinho na quente taberna,
e o bom fogo e o estábulo e as ceias. Acredita-se,
enquanto se está lá dentro, acredita-se. Sais ao fim da tarde
e as lebres apanharam-nas e comem-nas ao quente
os outros, alegres. Tens de os ver pelos vidros.
O homem só ousa entrar para beber um copo
quando o frio é muito e contempla o seu vinho:
a cor fumosa, o sabor pesado.
Come o bocado de pão que sabia a lebre
na cadeia, mas agora já não sabe a pão
nem a nada. E também o vinho só sabe a névoa.
O homem só pensa naqueles campos, contente
de os saber já lavrados. Na sala deserta
tenta cantar em voz baixa. Revê
ao longo do dique os tufos de silvas desnudadas
que em Agosto eram verdes. Lança um assobio à cadela.
E a lebre aparece e deixam de ter frio.
Do livro Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite, Edições Cotovia, 1997
sábado, 30 de agosto de 2014
Uma religião laica
No hay duda de que cuando se escriba la historia de la Unión Europea, y de la Eurozona dentro de ella, se mostrará hasta qué punto una religión laica –el neoliberalismo- se puede reproducir a pesar de que toda la evidencia empírica acumulada que muestra, no solo que estaba equivocada, sino también el enorme perjuicio que dicha religión está causando a las clases populares de los países de la Unión. La religión laica se promueve con un espíritu apostólico a base de una fe impermeable a la evidencia científica que señala claramente su enorme falsedad. Hoy, esta fe, reproducida por la mayoría de los medios, está anunciando que España y la Eurozona se están recuperando, cuando, en realidad, estamos entrando en otra recesión. Veamos los datos.
Vicenç Navarro, Público.es
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
O delírio de coimar
As sanções pecuniárias aplicáveis pelo não cumprimento, dentro dos prazos, das obrigações fiscais atingiram valores que não são razoáveis: perderam o sentido sancionatório a favor do intimidatório. Não deixa de ser curioso que o terrorismo fiscal seja uma das faces do neoliberalismo repressivo de que fala o Professor Adriano Moreira.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Os medos improváveis
Em 1997, estive em Xangai, em família. Numa noite de sábado, com milhares de pessoas na rua, recordo-me dos vazios que se criavam em nosso redor apenas para verem as nossas duas filhas. O cabelo encaracolado de uma delas foi, então, um verdadeiro fascínio. No domingo de manhã, num parque público, com centenas de pais a brincarem com os seus filhos, únicos presumo, o espanto repetiu-se. Foram largas as dezenas de fotografias que foram tiradas às minhas filhas. Não me passou pela cabeça ir à polícia e solicitar a apreensão das máquinas fotográficas.
sábado, 23 de agosto de 2014
O pelourinho
É em períodos políticos mais críticos que a justiça criminal, nomeadamente na sua vertente policial, deveria ser mais comedida. A investigação, ao promover o alarido mediático e sustentar o pelourinho das condenações, desfaz os princípios da equidade e da presunção da inocência, tornando-se num instrumento eficaz de manipulação política. A fuga enfática e sistemática de informações que invalidam quaisquer direitos de defesa tem um propósito político que não pode ser ignorado. A autonomia da investigação criminal não se compadece com tais procedimentos.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Um mapa em bolandas
No Mapa Judiciário, o provisório continua a ditar a lei, exigindo novas viagens processuais. O Despacho nº 10780/2014, da Ministra da Justiça, hoje publicado, é disso garantia.
(Via CONFUNCONÁRIO)
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Notícias
Durante alguns dias, talvez a três mil quilómetros de distância, acompanhei o que se passava em Portugal pelos noticiários televisivos das 20 horas na RTP. Pedofilia, violência doméstica, incêndios e futebol, para além de um reportagem desastrada sobre um alegado terrorista português. As crises, a do BES e as outras, parecem pertencer a um passado longínquo. Afinal, as decisões do Tribunal Constitucional não foram, do ponto de vista governamental, tão desastradas, e até uns mexicanos ricos acreditam na saúde do Espírito Santo.
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Teologias
O Espírito Santo ainda vai no adro. Não é preciso ser um especialista em teologia financeira para perceber que os caminhos do futuro ainda são insondáveis. A leitura do comunicado do Banco de Portugal, pelo seu Governador, foi de quem, ao lê-lo, tentava compreendê-lo. Lido às 22 horas e 30 minutos de um domingo, deu, pelo menos, tempo ao comentarista Marcelo para preparar a respetiva homilia no domingo seguinte. Eticamente, não se justificou a comparação com a solução encontrada para o BPN: apenas uma colagem política ao discurso de silêncios do governo. Haverá responsáveis para todos os gostos e desgostos. Mas nenhum deles deverá desmerecer o que foram estes três anos de degradação social e económica.
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Prender menos
At 149 per 100,000, the incarceration rate in England and Wales is still way below America’s 707, but it is far greater than Germany’s 78 and the Netherlands’ 75.
Nota: um artigo fundamental para a questão do número excessivo de presos.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Novo jogo
Dividir uma folha em branco longitudinalmente. Encabeçar cada uma das partes com os nomes dos responsáveis do BPN e do BES. Fazer seguir a esses nomes os nomes dos políticos que pensamos serem-lhes próximos. Verificar se há ou não coincidências nestes nomes. Ganha quem conseguir um maior número de coincidências.
domingo, 3 de agosto de 2014
A credibilidade da solução
Para compreender o que é proposto, torna-se importante ler o relatório de 2013 do Fundo de Resolução. No resto, só pode ser ilusionismo fazer do velho novo.
A queda de um banqueiro
Presumo que o Dr. Ricardo Salgado tivesse sido um banqueiro competente. Pelo menos, foi o que me fizeram crer todos esses comentaristas que, inundando as televisões, pregavam sobre a dignidade e a eficiência da iniciativa privada. Sendo um banqueiro competente, o que é que lhe correu (nos correu, melhor dizendo) mal? O Dr. Ricardo Salgado, presumo, quis surfar a onda da política, mas foi submerso por ela. Os tais comentaristas, desaparecidos em férias, o que não explicam é o contributo da hiper-austeridade governamental na queda do banqueiro.
quinta-feira, 31 de julho de 2014
A caução por miúdos
A caução é uma medida de coação; as medidas de coação só se aplicam a quem seja arguido. Ao contrário do que acontece nos filmes americanos, não substitui a obrigação de permanência na habitação nem a prisão preventiva. Na hierarquia legal das medidas de coação, surge a seguir ao termo de identidade e residência e antes da obrigação de apresentação periódica. Pode ser prestada por depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança. Se o arguido não a prestar, arrestam-se preventivamente os seus bens. A caução, presumo, deve ser a medida de coação que é menos aplicada. Para ser aplicada, não exige a detenção do arguido; nem esta nem qualquer outra.
Partilha da informação
Pelo que li nos jornais (vício antigo), a partilha da informação entre os órgãos de polícia criminal continua num impasse. Parece que o sistema instalado (ou devo falar em sistemas?) não satisfaz; mas não deve ser menos verdade que o entusiasmo de quem está obrigado a partilhar também não será grande.
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Erros forenses
Muitos dos erros judiciários resultam dos erros cometidos nos laboratórios forenses. Por essa razão, tenho defendido não só um controlo eficaz dos procedimentos laboratoriais mas o exercício efetivo do contraditório neste âmbito. O que se passa com o FBI, relatado pelo The Washington Post, merece uma reflexão atenta.
terça-feira, 22 de julho de 2014
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